E a vida continua

014 – Capítulo 14 – Novos rumos

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 14 – Novos rumos

Novos rumos

A senhora Serpa, extática, não conseguiu articular palavra.
— Evelina!... Evelina!... — gritava o moço como que dementado de júbilo. — Agora!... Agora que vi você, reconheço que estou vivo... Vivo!...
Cláudio considerou a delicadeza do momento e re­comendou medidas para que o rapaz fôsse abrigado no lar de Ambrósio, até que se lhe providenciasse hospita­lização conveniente, de modo a se adaptar ao meio como se impunha.
Depois de passes reconfortantes em que se lhe sos­segaram as emoções, Túlio Mancini foi conduzido à resi­dência dos modestos amigos que o acolheram alegremen­te, enquanto o grupo socorrista retornava ao campo do­méstico.
Distinto psicólogo, Irmão Cláudio se absteve de quaisquer alusões pessoais, a não ser nas frases ligeiras com que notificou a Fantini e à senhora Serpa a possi­bilidade de reverem o amigo reencontrado no dia se­guinte, se o desejassem, prometendo indicar-lhes o ende­reço preciso, de vez que esperava situá-lo em dependên­cia de reajuste e descanso, tão logo pudesse avistar alguma das autoridades a cuja orientação se lhe vin­culava a obra assistencial.
Ernesto, a seu turno, estimaria ouvir a companheira com respeito ao suicida que lhes fora objeto de tantos comentários, desde a conversação primeira; no entan­to, calava-se, observando-a francamente aparvalhada e apoiando-se-lhe ao braço em fundo silêncio. Na cabeça dele, Fantini, pensamentos contraditórios se embaralha­vam, sugerindo inquirições sem resposta.
Não era Túlio um suicida? — perguntava-se. Lera bastante material informativo sobre suicidas, além da morte, e acreditava estivessem eles comumente agoniados nas duras penalidades a que se impunham pelo desacato às Leis de Deus.
Por que motivo escapara Mancini às corrigendas a que fazia jus, pervagando à vontade na província de alienados mentais, entre Espíritos rebeldes e vagabundos?
Homem educado, porém, buscou emudecer conside­rações e perguntas para únicamente reverenciar a per­plexidade da amiga que, desde muito, lhe ganhara o co­ração.
Passo a passo e diálogo a diálogo, a equipe disper­sou-se entre saudações de fraternidade e votos de paz.
A sós com Evelina, entretanto, o generoso amigo, para dissipar os pensamentos constrangedores de que a via cercada, sorriu e falou com excelente humor, infun­dindo-lhe calma e otimismo:
— Excelentíssima senhora Serpa, se alguma dúvida nos restava sobre a morte de nossos corpos físicos que já devem ter desaparecido no bojo da terra, já não nos é possível doravante qualquer incerteza.
Ela diligenciou, em vão, sorrir. Sentia-se esmagada, abatida...
Ernesto redobrou esforços por chamá-la ao reequi­líbrio e, depois de larga série de alegações construtivas, rematou:
— Acaso, não temos nós solicitado trabalho? Quem dirá não tenhamos sido induzidos, sem perceber, pelas autoridades daqui, ao achado de hoje? Esse Túlio que lhe foi, um dia, companheiro de sonhos, será talvez para nós o começo de novos rumos... Uma nova ocupação, um caminho de acesso à elevação espiritual a que nos cabe dar início... Você concordará em que o vemos necessitado de. tudo... Aquela voz atormentada, aqueles olhos de doente não nos enganariam.
Estamos diante de alguém que solicita atenções imediatas e, a rigor, sen­do pessoa de suas relações, é nosso parente próximo. So­mos agora os únicos familiares que ele possui.
Porque a amiga se referisse, de leve, à dor mistu­rada de assombro que a descoberta lhe causara, Fantini voltou ao bom-humor do princípio e gracejou, de braços abertos:
— Que esperaria de melhor a senhora Serpa, a fim de trabalhar?
Cravou as mãos na cintura, num gesto que lhe era peculiar, e sublinhou:
— Quanto ao mais, minha querida amiga, lembro aqui a declaração filosófica de um velho companheiro:
«Convivei e purificai-vos». Estamos desencarnados e precisamos, como nunca, de burilamento moral. Se a presença de Túlio nos chama ao serviço que nos testará a capacidade de amor ao próximo, não hesitemos abraçar as novas obrigações.
Dias transcorreram até que os dois amigos conse­guissem reavistar o rapaz, então suficientemente me­lhorado, depois dos cuidados recebidos.
Ernesto fitava-o, curioso, no primeiro tête-à-tête, mas Evelina sentia-se tomada de surpresa e inquietação.
Aquele era Túlio Mancini, mas um Túlio Mancini di­ferente, Os olhos penetrantes, quando pousados nela, de­nunciavam sentimentos estranhos. Nem a ela, nem a Fantini passavam despercebidos os propósitos enfermiços a lhe nascerem, ali mesmo, à frente dos dois, sem que o moço se soubesse intimamente visto e analisado.
Sem qualquer impulso intencional, Ernesto e Eve­lina permutavam impressões, telepàticamente, reconhe­cendo com mais clareza que lhes era possível conversar pelo idioma do pensamento, de modo espontâneo, princi­palmente ali, diante de um companheiro que não lhes comungava o mesmo nível de idéias e emoções. Naquele momento, guardavam a convicção de ler na alma de Tú­lio, como num livro aberto.
Registrando as afirmações entusiásticas do rapaz, a imaginar-se vivo no mundo físico pelo fato de haver reencontrado a ex-noiva, os dois amigos não se anima­vam a desmanchar-lhe, de pronto, a ilusão.
— O que mais me espanta é ter agüentado isso aqui, tanto tempo, com o flagelo da dúvida... — sus­pirou Mancini, aliviado.
A senhora Serpa diligenciou modificar-lhe o curso dos raciocínios, no evidente intuito de prepará-lo para a verdade, e interpôs com bondade:
— De minha parte, o que mais lamentei foi a sua atitude, atirando contra você mesmo, num ato de lou­cura...
— Eu? eu?!... pois você não soube? — redarguiu o moço, admirado — nunca fiz isso!... Tive, é verdade, a fraqueza de pensar, um dia, em matar-me pelo veneno por sua causa, mas, depois, reconheci que você não me desprezava e eu queria, a todo preço, reconquistar a sua afeição.
Sucede, porém, que no anseio de colocar-me fora de campo, Caio foi procurar-me, solicitando-me ir com ele ao meu escritório, para consultarmos juntos um livro de Direito Internacional. Porque alegasse ur­gência, não vacilei em prestar-lhe o favor. Era um feria­do e as salas próximas jaziam fechadas. A sós comigo, abandonou os assuntos da profissão, e passou a acusar-me. Disse que a minha covardia, recorrendo ao veneno, abalara o amor que existia entre ele e você... Tentei justificar-me... Quando me detinha a considerar a pu­reza de meu afeto, aquele brutamontes vomitou insultos que não consigo olvidar e, sacando um revólver, me al­vejou no peito... Caí no piso e nada mais vi... Acordei, não sei quando, num quarto de hospital e, desde então, vivo enfermo e revoltado, buscando reaver a saúde para ensinar àquele biltre quanto vale a minha vingança...
Um raio que caísse, ali, sobre os três, não teria arra­sado o ânimo da senhora Serpa quanto aquela revelação terrível.
Num átimo, percebeu que Túlio não largara o corpo em arrancada suicida, mas sim constrangido pela arma daquele a quem desposara no mundo, ao mesmo tempo que Fantini, estupefato, concluía que o rapaz fora ví­tima de um crime desconhecido entre os homens; e fôsse porque aflitivos pensamentos de culpa lhe azorragassem o cérebro ou porque notava no moço o anseio indisfar­çado de ficar a sós com Evelina, rogou telepaticamente a ela não fizesse o mínimo esforço por trazer Mancini à realidade e sim tivesse paciência, até que pudessem es­tabelecer planos de socorro ao moço infeliz.
A senhora Serpa entendeu e Ernesto pediu licença para afastar-se.
Queria pensar, repousar...
Ao demais, informou, era natural que os dois tives­sem confidências, de coração para coração.
Mais tarde se reencontrariam.
Embora contrafeita, Evelina aquiesceu.
Quando se voltou, porém, para o ex-noivo, sentiu-se algo desamparada, qual se renteasse com perigos ocultos.
Mancini convidou-a a pequeno passeio pelo parque da instituição que o albergava e, em poucos instantes, ei-los, um ao lado do outro, a passo vagaroso, entre sebes floridas e árvores protetoras, aspirando o vento embalsamado de nutrientes perfumes.
— Evelina — recomeçou ele —, quem é este velho que você está trazendo a tiracolo?
A interpelada mostrou-se penosamente impressio­nada com a frase agressiva, pronunciada em tom de sar­casmo; no entanto, respondeu, gentil:
— Trata-se de amigo distinto, a quem devo inesti­máveis favores.
Ele chasqueou:
— Compreenda que sofri muito para achar você... Agora, não cedo sua companhia a homem algum, mesmo que esse homem fôsse seu pai...
Ela se dispunha a revidar, solicitando moderação; todavia, Mancini prosseguiu, eufórico:
— Evelina, tenho um mundo de coisas a saber, a perguntar e a ouvir de você... Não sei, realmente, se tenho estado louco. Onde estamos? que fazemos?... Entretanto, prefiro falar de você e de mim, ünicamente de nós dois...
Nessa altura do diálogo, esbarraram com bonito e pequeno caramanchão, totalmente envolto de trepadeiras.
Túlio, em voz suplicante, implorou fizessem ali uma parada de refazimento. Sentia dores, quando se movi­mentava em demasia, alegou. Desde o tiro sofrido, não se reconhecia o mesmo. Evelina obedeceu maquinalmen­te impulsionada pela compaixão.
Acomodaram-se ambos num dos bancos existentes no recinto doce e agreste.
O moço relanceou os olhos, por todos os lados, como a certificar-se de que se viam absolutamente sôzinhos e, em seguida, cerrou a única porta da peça, que passou a receber luz e ar através das altas e estreitas janelas que quase se comunicavam com o teto. Em se voltando para a companheira, patenteava no semblante tamanha expressão de sensualidade que a senhora estremeceu.
— Evelina!... Evelina!... — rogou ele, apaixo­nadamente — você sabe que tenho esperado por este momento de felicidade, em todos estes anos de angús­tia. .. Você e eu, juntos!.
Ela não foi totalmente insensível ao apelo afetivo daquele homem jovem a quem amara, e enterneceu-se. Relembrou as noites de cochichada ternura, nos parques e nos cinemas, antes de comprometer-se com Serpa. Sim!... Aquele era Mancini, o rapaz que a impressio­nara tanto! A. mesma simpatia e a mesma voz de ena­morado, acenando-lhe com a renovação do destino.
Instintivamente, rememorou as infidelidades do marido, o escárnio revestido de belas palavras que recebera dele tantas vezes em casa e, por um momento, balançou-se-lhe outra vez o coração, entre os dois, qual ocorrera nos tempos do noivado... Túlio estava, agora, diante dela, prometendo-lhe, de novo, um amor ardente e tranqui­lo... Achou-se como que inebriada pelas considerações que ouvia, mas a consciência vigilante impeliu-a a rea­justar-se. Via-se dominada por estranho sentimento que a induzia para ele; no entanto, ao mesmo tempo, algo em Mancini, naquele instante, lhe impunha medo e certa repugnância. Não era ele mais o cavalheiro de outra época.
Mostrava-se imponderado, desabrido. Moralmen­te refeita, Evelina confessava a si mesma que não lhe cabia o direito de ceder a quaisquer sugestões incompa­tíveis com a sua dignidade feminina.
Casara-se. Devia ao esposo lealdade e acatamento. A consciência controlou a sensibilidade. A noção dos compromissos assumidos guardou-lhe a alma nobre e sincera. Impôs-se fortaleza e serenidade, resolvendo permanecer a cavaleiro de emo­ções que não se justificavam.
Enquanto semelhantes reflexões lhe escaldavam a cabeça, Mancini continuava:
— Deixe-me recostar em seu colo, um momento só!... Evelina, quero sentir o calor de seu coração... Tenho necessidade de você, qual o sedento quando se aproxima da fonte! Compadeça-se de mim!...
Observando os gestos de desconsideração que ele passara a assumir, a moça tentou recuar e replicou, va­lorosa:
— Túlio, contenha-se! Não sabe você que desposei Caio, que tenho a responsabilidade de um lar?
— Oh! o infame!... Compreendo que a minha au­sência longa terá levado você a desposar aquele canalha, mas isso não fica assim, ......
E, depois de pausar, alguns instantes, prosseguiu para a companheira estarrecida:
— Evelina, sei que você não é indiferente ao que sinto! Vamos!... Diga que me atende
Ato contínuo, intentou beijá-la.
Embora possuída de assombro e temor, ela ganhou ânimo e, retrocedendo, reagiu indignada:
— Túlio, que é isto? estará você louco?
— Tenho pensado em você, dia e noite... Desde que tomei o balaço daquele patife que levarei à cadeia. não tenho mais ninguém na imaginação!... Não se com­padece você de mim?
O entono comovedor daquela voz feria-lhe fundo a alma; no entanto, a senhora Serpa objetou, firme:
— Compreendo a sua estima e agradeço a lembran­ça, mas julga você justo atacar-me assim, desrespeitosa­mente, quando já lhe falei que tenho um marido e, por isso mesmo, contas a prestar?
Mancini silenciou por momentos; em seguida, exibiu nos olhos esgazeados a perturbação que lhe passou a senhorear os mecanismos da mente, transfigurou o pran­to em escárnio e desfez-se numa gargalhada terrível.
— Um marido!... Um marido, aquele crápula!... — zombou. — O povo de onde venho agora, o povo da terra da liberdade, tem toda a razão... Entendo, você agora faz parte dos santos, mas eu não sou mascarado. Sou o que sou, um homem com as funções que me são próprias... Quero você e isso a escandaliza? Boa pia­da!... Você é uma mulher como as outras, você não émelhor do que todas aquelas que conheço na terra da liberdade, apenas com a diferença de que você se oculta na capa andrajosa da disciplina...
— Sim — suspirou Evelina, magoada —, não nego a minha fragilidade humana... Não acredita você, po­rém, que a disciplina é a melhor maneira de educar-nos e dignificar os nossos sentimentos?
— Ah! Ah! Ah!... — galhofou ele — obediência é a camisa-de-força em que os hipócritas metem os sim­ples, mas você mudará de idéia...
A moça agoniada confiava-se à oração muda, im­plorando socorro aos poderes da Vida Maior.
Enquanto isso, o companheiro avançava, mofando:
— Olhe para dentro de você mesma e verificará seu disfarce... Você é um anjo de pé-de-chumbo, igual aos outros macacos fantasiados que andam por aí. Lar­gue mão disso... Todos somos livres!... Livres filhos da Natureza para fazer o que quisermos!... Proclame a sua independência se não deseja acabar na senzala dos tartufos da sujeição!...
Mancini investiu para ela e estava prestes a agarrá­-la, quando alguém providencialmente bateu à porta.
Constrangido embora, Túlio refez-se, de imediato, e foi atender.
O mensageiro declinou para logo a sua condição. Tratava-se de auxiliar do Instrutor Ribas e vinha da parte dele, a fim de conduzir a irmã Evelina Serpa ao Instituto de Proteção Espiritual, para a solução de as­sunto urgente.
A senhora respirou aliviada e percebeu que fora ou­vida na silenciosa petição e, enquanto agradecia, em pensamento, o amparo salvador, Túlio, seguido igual­mente de perto pelo emissário, voltou à casa de reajuste, onde foi recolhido à cela especial, destinada a serviço de segregação e tratamento.


QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Por que o suicídio é algo que não deve ser praticado de acordo com a Doutrina Espírita?
2) Que revelação teve Evelina ao encontrar Túlio?
3) O que leva Evelina a afastar-se de Túlio? Que recurso ela utiliza para conseguir isso?

Equipe André Luiz

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 14 – Novos rumos

CONCLUSAO

1) Por que o suicídio é algo que não deve ser praticado de acordo com a Doutrina Espírita?
O suicídio representa uma grave transgressão às leis divinas. Quem retira sua vida, sofre muito na vida espiritual e se arrepende por perceber que o ato somente lhe agravou suas dores morais. O suicídio é a suprema demonstração de rebeldia do espírito, porque este não aceita as consequências dolorosas de suas más escolhas feitas na atual ou em anterior reencarnação.

2) Que revelação teve Evelina ao encontrar Túlio?
Evelina soube que Túlio não se suicidou. Fora assassinado por Caio Serpa, seu marido, porque este a amava e não permitia que Evelina prosseguisse seu noivado com Túlio.

3) O que leva Evelina a afastar-se de Túlio? Que recurso ela utiliza para conseguir isso?
Evelina se assusta com Túlio, depois que este investe apaixonadamente sobre ela. No local aonde estavam, Túlio tenta agarrá-la, guiado pelas suas paixões e suas ilusões materiais. Evelina, sem condições de sozinha se desvencilhar do sujeito, roga ajuda da instituição por meio de orações silenciosas, ao que é atendida pelo Instrutor Ribas, que envia um mensageiro para interromper a ação de Túlio.
É através da prece que Evelina obtém o socorro imediato.

Um abraço a todos,
Equipe André Luiz