E a vida continua

013 – Capítulo 13 – Tarefas novas

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 13 – Tarefas novas

Estudos

Fundamente sensibilizados com as apreciações ouvidas no templo, Evelina e Ernesto solicitaram admissão à caravana socorrista que o Irmão Cláudio presidia, em visita semanal à região dos companheiros perturbados e sofredores.
Aquele mesmo amigo do Instituto de Ciências do Espírito atendeu-lhes o pedido com simpatia e benevo­lência e, mais alguns dias passados, vamos encontrar os dois amigos integrando operoso conjunto de serviço, que passava, então, ao número de oito pessoas, cinco homens e três mulheres, entre as quais se achava a irmã Ce­lusa Tamburini.
Na peregrinação de fraternidade, a equipe descia na direção de vale extensíssimo, destinando-se especialmente naquele dia ao culto do Evangelho no lar de Ambrósio e Priscila, casal que desempenhava o encargo de guar­diães, dentre os muitos sediados na fronteira que assi­nala os pontos iniciais da zona conflagrada pelas proje­ções mentais dos irmãos em desequilíbrio.
Tão logo se lhes descortinou mais ampla faixa da paisagem, Ernesto e Evelina não conseguiam sopitar as expressões de assombro. Densa névoa, a patentear-se por diversas tonalidades de cinza, barrava a província em toda a linha divisória. Pela primeira vez, enxergaram nos céus máquinas voadoras que se dirigiam da cidade para o território sombrio, semelhantes a grandes borboletas silenciosas refletindo o sol que lhes punha à mostra as asas, como que estruturadas em pedaços de arco-íris.
Fantini desfechou para logo uma indagação, a que Cláudio respondeu, satisfeito:
— São aparelhos volantes, em que viajam comissões de trabalho, em tarefas de identificação e assistência.
— A região é tão grande assim?
— Imagine um deserto planetário, com muitas ses­marias de área, marginadas por cidades ordeiras e prós­peras, e terá a exata noção do que nos ocorrre aqui.
— E esses viajantes, através do ar, desencarnados como estão, acaso não lograriam seguir adiante, sem esses engenhos, usando o poder de volitação que lhes é próprio?
O chefe sorriu e ponderou:
— Tudo na vida se rege por leis. Um pássaro ter­restre possui asas e foge do campo incendiado, por não suportar-lhe a cortina de fumo. Um bombeiro, a fim de penetrar numa casa invadida de fogo, veste roupa de­fensiva.
E aditou:
— Achamo-nos à frente de perigosa extensão de espaço, habitada por milhares de criaturas rebeldes que constroem, à custa dos próprios pensamentos em des­vario, o ambiente desolado que se nos impõe à vista. Aí, nesse mundo diferente, somos defrontados pelas mais estranhas edificações, todas elas caricaturas dos abrigos domésticos de que os donos abusaram na experiência física, uma verdadeira floresta de fluidos con­densados, retratando as ideias e manias, ambições e caprichos, remorsos e penitências dos moradores. Temos aí, nessa faixa umbralina, todo um estado anárquico, em que o individualismo se desborda na hipertrofia da liber­dade, sem os constrangimentos benéficos da disciplina, que nos faz realmente livres pela voluntária sujeição de nossa parte aos dispositivos das Leis de Deus.
— E porque Deus permite a formação desses quis­tos gigantescos de perturbação e desordem? — inquiriu Ernesto, num rasgo de lógica humana.
— Ah! meu amigo — obtemperou o Irmão Cláudio —, sempre que indagamos de nossos Maiores porque não interfere a Divina Providência no campo da inteli­gência corrompida no mal, a resposta invariável é que o Criador exige sejam as criaturas deixadas livres para escolherem o caminho de evolução que melhor lhes pa­reça, seja uma avenida de estrelas ou uma vereda de lama. Deus quer que todos os seus filhos tenham a pró­pria individualidade, creiam nele como possam, conser­vem as inclinações e gostos mais consentâneos com o seu modo de ser, trabalhem como e quanto desejem e habi­tem onde quiserem. Sômente exige — e exige com rigor — que a justiça seja cumprida e respeitada. «A cada um será dado segundo as suas obras.» Todos rece­beremos, nas Leis da Vida, o que fizermos, pelo que fi­zermos, quanto fizermos e como fizermos. De conformidade com os Preceitos Divinos, podemos viver e con­viver uns com os outros, consoante os padrões de esco­lha e afetividade que elejamos; entretanto, em qualquer plano de consciência, do mais inferior ao mais sublime, o prejuízo ao próximo, a ofensa aos outros, a crimi­nalidade e a ingratidão colhem dolorosos e inevitáveis reajustes, na pauta dos princípios de causa e efeito que impõem amargas penas aos infratores. Somos livres para desenvolver as nossas tendências, cultivá-las e aperfeiçoá-las, mas devemos concordar com os Esta­tutos do Bem Eterno, cujos artigos e parágrafos estabelecem sejam feitas e mantidas, no bem de todos e no amparo desinteressado aos outros, as garantias de nosso próprio bem.
Atingindo a orla escura da esquisita povoação, que começava, aqui e além surgiam criaturas andrajosas e alheadas.
Não se podia afirmar fôssem criaturas análogas aos mendigos, de alguma praça terrena, em penúria. Esse ou aquele habitante do imenso arrabalde davam a ideia de pessoas que o orgulho ou a indiferença tornavam es­piritualmente distantes. De par com esse gênero de transeuntes, outros apareciam entremostrando ironia e desprezo na mímica escarnecedora com que apontavam os viajantes ou a estes se dirigiam. Quase todos exibiam roupas estranhas, cada qual obedecendo às condições e dignidades a que supunham pertencer.
A uma pergunta desfechada por Fantini — pois Eve­lina e ele eram os únicos adventícios na equipe socorrista — Cláudio observou:
— De modo geral, os milhares de irmãos que se abrigam nestas paragens não se aceitam como são. Ha­bituaram-se de tal maneira às simulações — aliás, mui­tas vezes, necessárias — da experiência física, que se declaram ofendidos pela verdade. Viveram, anos e anos, na esfera carnal, desfrutando essa ou aquela considera­ção pelos valores de superfície que exibiam, enfatuados, e não se conformam com a supressão dos enganos e pri­vilégios imaginários de que se alimentavam...
Narcisos fixados à própria imagem na retaguarda... Muitos se transferiram diretamente da vida física para a região nebulosa sob nossa vista, e outros muitos habitaram, logo após a desencarnação, cidades de recuperação e adestramento, semelhantes à nossa; entretanto, à me­dida que se evidenciavam, tais quais ainda são na rea­lidade, absolutamente sem quaisquer simulacros dos muitos de que se valiam na estância terrestre para enco­brirem o “eu” verdadeiro, rebelaram-se contra a luz do Mundo Espiritual que nos expõe à mostra a natureza autêntica, uns diante dos outros, e fugiram de nossas coletividades, asilando-se no vale de sombras geradas por eles mesmos. Aí, na penumbra criada pela força mental que lhes é própria, com o objetivo de se esconderem, dão pasto, em maior ou menor grau, às manifes­tações da paranóia a que todos se afeiçoam, entregando-se igualmente, em muitos casos, a lastimáveis paixões que procuram debalde saciar, até as raias da loucura.
— Irmão Cláudio — lembrou Evelina —, o senhor já penetrou nesses sítios, atingindo algum ponto distan­ciado da orla?
— Já acompanhei diversas caravanas de fraterni­dade e socorro, utilizando veículos diversos, alcançando praças estabelecidas muito longe de nós...
— E que viu?
— Cidades, vilarejos, povoações e aldeamentos vá­rios, em cujo seio Espíritos de inteligência cultivada e vigorosa, mas profundamente pervertidos, dominam enormes comunidades de Espíritos menos hábeis no co­mando das situações; contudo, tão pervertidos, via de regra, quanto eles mesmos.
Cláudio sorriu e ressalvou:
— Quando digo a palavra «pervertidos», não me proponho a julgar os nossos irmãos transitoriamente encastelados na sombra. Desejo apenas qualificar, para a compreensão de quem chegou recentemente da vida física, a posição desses amigos doentes. Aliás, consi­deramo-los tão enfermos quanto os nossos irmãos alie­nados mentais de qualquer hospício da Crosta Planetá­ria, credores de nosso melhor carinho. E saibamos, com entranhado respeito, que numerosos pais e mães, esposos e esposas, filhos e pessoas amadas de muitos dos companheiros transviados nessas regiões sombrias aí resi­dem, por mero devotamento, na situação de heróis obs­curos, em admiráveis apostolados de amor e renúncia. a benefício dos que se enrijecem no erro, de modo a reconduzi-los ao reequilíbrio necessário, preparando-se para as novas reencarnações que os esperam. Esses pa­ladinos da bondade e da paciência parecem escravizados aos infelizes que amam; no entanto, pela cátedra do sacrifício da humildade que esposam, acabam conseguin­do prodígios pela força irresistível do exemplo.
A casa singela de Ambrósio já se debuxava a dis­tância, quando Fantini, como quem não desejava perder o fio dos raciocínios em andamento, inquiriu ainda:
— Irmão Cláudio, são geralmente muitos os que são resgatados pela dedicação afetiva daqueles que os tutelam nestes lugares?
— Sem dúvida. Todos os dias, chegam às nossas casas de reajuste pequenos ou grandes magotes dos que aspiram a renovar-se.
— E permanecem na cidade, indefinidamente?
— Isso não. Com poucas variantes, demoram-se conosco apenas o tempo preciso ao exame da nova reen­carnação, em que regressam aos disfarces da carne, sem os quais, segundo acreditam, não conseguem seguir à frente, nas veredas da regeneração. Entre o cansaço da erraticidade nas sombras da mente e o terror da luz es­piritual que confessam não suportar sem longa prepara­ção, suplicam o socorro da Providência Divina e a Di­vina Providência lhes permite a nova internação na ar­madura física, na qual se reocultam, lutando pela pró­pria corrigenda e pelo burilamento próprio, encobertos transitoriamente no engenho carnal, que, pouco a pouco, se desgasta, pondo de novo, à mostra, o bem ou o mal que fizeram a si mesmos, no período da encarnação. Obtido o empréstimo do novo corpo, via de regra junto daqueles que se lhes fizeram cúmplices nos desvarios do pretérito ou que se lhes afinam com o tipo de débitos e resgates consequentes, esses candidatos à recapitula­ção expiatória do passado imploram medidas contra eles mesmos, seja na escolha de ambiente doméstico em desacordo com os seus ideais ou na formação do futuro corpo de que farão uso, corpo esse que, muitas vezes, desejam seja bloqueado em determinadas funções, pre­venindo-se prudentemente contra as tendências inferio­res que, em outro tempo, lhes facilitaram a queda.
— Isso quer dizer que pedem certas cassações em desfavor deles mesmos? — interpôs Fantini com a sua habitual agudeza de raciocínio.
— Sim, cassações. Em vista disso, encontramos na Terra, a cada passo, grandes talentos frustrados para a direção que anelariam imprimir aos próprios destinos... Inteligências vigorosas, desde cedo, barradas na obtenção de quaisquer louros acadêmicos e, por essa razão, deti­das em artesanatos obscuros ou encargos singelos, em longa e dolorosa subalternidade, nos quais entesouram humildade e equilíbrio, paz e moderação; artistas con­trariados nas mais altas aspirações, arrastando defeitos físicos e inibições outras que lhes obstam temporáriamente as manifestações e sob as quais adquirem a reedu­cação dos próprios impulsos com o respeito necessário para com os sentimentos do próximo; mulheres de pro­funda capacidade afetiva jungidas a corpos que lhes deprimem a apresentação, aprendendo em terríveis confli­tos da alma quanto dói a deserção do lar e o menos­prezo aos compromissos da maternidade; homens hábeis e enérgicos, carregando frustrações insidiosas e ocultas que lhes proibem a euforia orgânica, no estágio físico, de modo a edificarem o espírito de entendimento e cari­dade, no âmago de si próprios...
A palestra admirável, que valera por aula ines­quecível no ânimo dos ouvintes, foi repentinamente in­terrompida pelo abraço de Ambrósio e Priscila que aguar­davam os peregrinos fora das portas.
Saudações, bênçãos, votos, alegrias.
O serviço religioso no lar se revestiu das caracte­rísticas do Evangelho em casa, nos domicílios cristãos da Terra.
Havia, porém, ali, naquela tenda simples, valioso trabalho de extensão do apoio espiritual aos amigos so­fredores da vizinhança.
Vinte e duas entidades, das quais vinte mulheres e dois homens, tinham vindo do grande nevoeiro próximo, a fim de ouvirem a palavra do Irmão Cláudio, entremos­trando anseios de tranquilidade e transformação.
Desdobraram-se as tarefas nos moldes das reuniões evangélicas do mundo, suplementadas pela conhecida orientação espírita-cristã, portadora da interpretação respeitosa, mas livre, dos ensinamentos do Senhor.
Na fase terminal, passes de reconforto e mensagens de esclarecimento, advertência e ternura.
Ocasiões de serviços repontaram do quadro para Ernesto e Evelina, que, por designação do orientador, sua­vizaram os padecimentos de duas das irmãs visitantes, a se cobrirem de lágrimas, depois dos comentários ou­vidos.
Toda a equipe se dedicava a conversação edificante, às despedidas, acompanhando os frequentadores humil­des da sementeira evangélica, fora da casa, quando, emergindo da névoa, compacto grupo de Espíritos zom­beteiros e dementados apareceu.
Explodiram impropérios, entremeados de vaias e ditos chulos.
Prevenindo, especialmente aos dois recrutas, Cláu­dio avisou:
— Não se aflijam. A ocorrência é normal...
— Patifes! Sumam, sumam daqui! (1) — rugiu um dos atacantes de vozeirão descomunal — não que­remos sermões, nem encomendamos conselhos.
Amainando a saraivada de insultos, Cláudio tomou a palavra e falou alto, sem alterar-se:
— Irmãos!... Para aqueles de vós que desejais vida nova com Jesus, somos companheiros mais íntimos desde agora!... Vinde à verdadeira libertação! Unamo-nos em Cristo!...
- Hipócritas!... — reagiu a mesma voz troante, seguida pelas gargalhadas irônicas de muitos — nada temos com Jesus!... Mascarados! Vocês todos são iguais a nós, vestidos na capa de santarrões!... Nós é que po­demos chamar vocês para a liberdade!... Larguem as asas de barro!...
Anjos cotós! Cães enfeitados!... Vo­cês são tão humanos, quanto nós mesmos!... Se são corajosos, deixem de ser burros velhos no freio da dis­ciplina e venham ser livres como somos!...
Dito isso, a malta avançou sobre o grupo fraterno, mas Cláudio, evidentemente em oração, ergueu a destra e um fio de luz cortou o pequeno espaço que isolava os agressores.
A chusma de infelizes estacou, aterrada. Alguns deles caíram no solo, como que traumatizados por força incoercível, outros resistiram vomitando injúrias, ao pas­so que outros ainda fugiam em disparada... Todavia, dentre aqueles que se mantinham de pé, um deles, muito jovem, bradou com acento inesquecível:
— Evelina!... Evelina!... É você aqui? Oh! Estou vivo, estamos vivos!... Quero Jesus! Jesus!
Socorro! Socorro!... Quero Jesus!...
Cláudio aquiesceu, compadecido:
— Vinde!... Vinde!...
O moço arrancou-se da quadrilha, seguiu na direção que Cláudio lhe indicava e, em poucos momentos, a se­nhora Serpa, trêmula e consternada, tinha diante de si, Túlio Mancini, aquele mesmo rapaz a quem amara nou­tro tempo e que, segundo estava convencida, havia des­cambado nas trevas do suicídio por sua causa.

(1) Compreendemos a inconveniência das citações pe­jorativas; entretanto, embora esmaecidas, acreditamos que as reações dos companheiros menos felizes, internados em regiões hospitalares ou purgatoriais, devem comparecer no presente relato, de modo a não fugirmos do encontro com a verdade. — Nota do autor espiritual.


ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Ernesto observa que há na cidade espiritual “máquinas voadoras” destinadas ao transporte. Por que isso ocorre se todos estão desencarnados?

2) Por razão, muitas vezes um Espírito deseja reencarnar implorando medidas contra ele mesmo, seja pedindo um corpo com determinados bloqueios ou mesmo em ambiente em desacordo com seus ideais atuais?

3) Qual a surpresa de Evelina nesta cidade em que busca auxiliar?


Equipe André Luiz

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 13 – Tarefas novas

CONCLUSÃO

1) Ernesto observa que há na cidade espiritual “máquinas voadoras” destinadas ao transporte. Por que isso ocorre se todos estão desencarnados?
Porque há fronteiras vibratórias nas diferentes regiões do mundo espiritual e o Espírito após a desencarnação continua com o seu corpo espiritual ou períspirito que pode assimilar os fluidos espirituais do ambiente. É por isso que as excussões para socorro a Espíritos em sofrimento são realizadas com organização prévia e em prece por Espíritos já em condições de ir a estas regiões.
Para exemplificar essa questão Cláudio faz a seguinte comparação: “um pássaro ter­restre possui asas e foge do campo incendiado, por não suportar-lhe a cortina de fumo.”

2) Por razão, muitas vezes um Espírito deseja reencarnar implorando medidas contra ele mesmo, seja pedindo um corpo com determinados bloqueios ou mesmo em ambiente em desacordo com seus ideais atuais?
Porque compreende que a passagem pelo corpo físico é temporária e deseja o seu progresso moral. É uma forma de prevenir-se prudentemente contra as tendências inferiores que já foram motivo de queda.

3) Qual a surpresa de Evelina nesta cidade em que busca auxiliar?
Evelina encontra Túlio Mancini, o rapaz a quem amara noutro tempo e que acreditava que tinha desencarnado pelo suicídio por sua causa.

Um abraço a todos,
Equipe André Luiz