E a vida continua

011 – Capítulo 11 – Ernesto Fantini

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 11 – Ernesto Fantini


Estudos


Chegada a vez de Ernesto, que tomou a poltrona de analisando algo desconcertado, o Instrutor formulou as explicações anteriores, solicitou-lhe articular perguntas e acendeu o espelho de gravação.
Fantini, um tanto mais à vontade, iniciou o inter­rogatório:
— Posso falar, como se estivesse realmente morto, como me fazem crer?
O mentor sorriu, ao escutar aquela frase de mate­rialista inteligente, e objurgou sem aspereza:
— Fale tudo o que deseje, na convicção de que a teoria do corpo se está longe agora de nós.
Estamos efe­tivamente desencarnados, encontrando a nós mesmos...
— Instrutor, se deixei meu corpo na Terra, sem lembrar-me disso, não é o caso de ter voltado ao ambien­te natural do Espírito, com a obrigação de retomar a memória do tempo em que vivia, na condição de Espí­rito livre, antes de envergar, entre os homens, o corpo de que me desfiz? por que motivo isso não acontece?
— A existência no carro físico, além de ser um estágio para aprendizagem ou cura, resgate ou tarefa específica, é igualmente um longo mergulho no condicio­namento magnético, em que agimos, no mundo, induzi­dos ao que nos cabe fazer, O livre arbítrio, na esfera da consciência, permanece vivo e intocado, porqüanto, em quaisquer posições, a criatura encarnada é independente para escolher os próprios rumos; no entanto, as demais potências da alma, no período da encarnação, jazem orientadas na direção desse ou daquele trabalho, se­gundo os propósitos que tenha assumido ou que tenha sido constrangida a assumir.
Isso determina o obscurecimento das memórias pre­gressas que, aliás, não é senão uni fenômeno temporário, mais ou menos curto ou longo, conforme o grau de evo­lução que tenhamos atingido.
— Teríamos sofrido, enquanto no plano físico, uma dilatada hipnose?
— Até certo ponto, sim. A passagem pelo claustro materno, o novo nome escolhido pelos familiares, os sete anos de semi-inconsciência no ambiente fluídico dos pais, a recapitulação da meninice, o retorno à juventude e os problemas da madureza, com as responsabilidades e com­promissos consequentes, estruturam em nós — a indi­vidualidade eterna — uma personalidade nova que incor­poramos ao nosso patrimônio de experiências. E’ com­preensível que no espaço de tempo, que se nos sucede, imediatamente à desencarnação, a memória profunda esteja ainda hermêticamente trancada nos porões do ser. Isso, porém, é francamente transitório. Gradativamente, reaveremos o domínio de nossas reminiscências...
— O senhor quer explicar que, nesta cidade, sou ainda Ernesto Fantini, a personalidade humana com o nome que me foi imposto na existência que deixei, lar­gando o estudo de minhas memórias anteriores para de­pois?
— Perfeitamente. Cada um de nós permanece aqui, em núcleos de trabalho e renovação, na vizinhança do plano físico, sob a mesma ficha de identificação, através da qual éramos conhecidos nela. Até que nos promova­mos por merecimento próprio a círculos mais altos de sublimação, quedar-nos-emos entre a Espiritualidade Su­perior e o Estágio Físico, operando no aperfeiçoamento pessoal, da internação no berço à liberação para a vida espiritual e regressando da liberdade na vida espiritual a nova segregação no berço. Entendeu?
— Aqui somos então examinados pelo que fomos, nas ações praticadas, no tempo de retaguarda mais pró­ximo de nós...
— Isto.
— Somos como éramos, na ficha individual, até...
— Até que as circunstâncias nos indiquem nova imersão no corpo carnal, como recurso inevitável aos objetivos de burilamento a que todos visamos, nas lides da vida eterna.
— Somos quais éramos, em tudo, até mesmo na si­nalização morfológica?
— Não tanto. Quaisquer sinais morfológicos se modificam na pauta das ordenações mentais.
Isso ocor­re, habitualmente, na própria Terra dos Homens, quando a ciência, sem maiores dificuldades, modifica os imple­mentos da máquina genésica da criatura, de acordo com os impulsos psicológicos que a criatura apresente, harmo­nizando o binômio corpo-alma. Além disso, não nos será lícito esquecer os serviços multiformes da plástica ci­rúrgica, que consegue efetuar prodigios no envoltório carnal das pessoas, quando essas pessoas mereçam as melhoras com que a ciência terrestre lhes acena, generosa e otimista.
Fantini se mostrava agradàvelmente surpreendido pela destreza mental com que o Instrutor sabia colocar-lhe os esclarecimentos precisos na cabeça faminta de luz.
— Caro amigo — tornou ele à inquirição. — Em­bora o assunto de que vou tratar já tenha sido objeto de consideração na palestra que mantive com o Irmão Cláudio, estimaria recolher-lhe os avisos no mesmo tema... Acontece que ouvi falar de mortos, e de mortos cultos, que atravessaram anos e anos atormentados em zonas inferiores, antes de reconquistarem lucidez e tran­quilidade; porque não me ocorreu isso, se estou efetiva­mente desencarnado e se sou um homem consciente das culpas que carrega?
— O estado de tribulação a que se refere é perti­nente ao espírito e não ao lugar. Muitos de nós, os desencarnados, suportamos tempos difíceis, em paisa­gens determinadas que nos refletem as próprias pertur­bações íntimas. Essa anomalia pode perdurar por muito tempo, de conformidade com as nossas inclinações e esforço indispensável para que nos aceitemos, imperfei­tos como ainda somos, conquanto não ignoremos a ne­cessidade de burilamento que as leis da vida nos estabelecem. Somos, por agora, consciências endividadas ou expoentes de evolução deficitária, ante a Vida Maior, carregando o dever de podar os nossos defeitos em tra­balho digno e incessante. Enquanto estejamos em dese­quilíbrio, após a desencarnação, desequilíbrio que é sempre agravado pela nossa inconformidade ou rebeldia, or­gulho ou desespero, ameaçando a segurança dos outros, permaneceremos compreensivelmente internados ou se­gregados em faixas de espaço, junto de quantos evi­denciem perturbações ou conflitos semelhantes aos nossos, à maneira de doentes mentais, afastados do convívio do­méstico para tratamento justo.
— Então, as idéias do castigo de Deus...
— Razoável que as abracemos, até que aprendamos que a Divina Providência nos governa através de leis sábias e imparciais. Cada um de nós pune a si mesmo, nos artigos dos Estatutos Excelsos que haja infringido. A Justiça Eterna funciona no foro íntimo de cada cria­tura, determinando que a responsabilidade seja gradua­da no tamanho do conhecimento...
— Instrutor Ribas, como definir, desse modo, o in­ferno engenhado pelas religiões no Planeta?
— Reportemo-nos a isso com o respeito que o assun­to nos reclama, porque para milhões de almas o descon­forto mental a que se entregam, ao lado de outras nas mesmas condições, é perfeitamente comparável ao sofri­mento do inferno teológico, imaginado pelas crenças hu­manas. A rigor, porém, e atentos à realidade de que Deus jamais nos abandona, o inferno deve ser interpretado na categoria de hospício, onde amargamos as consequên­cias de faltas, no fundo, cometidas contra nós mesmos. Fácil perceber que a área de espaço em que nos demo­remos nessa desoladora situação venha a retratar os qua­dros mentais infelizes que criamos e projetamos, ao re­dor de nós.
— Ouso aprofundar-me em tantas inquirições, por achar-me convencido de que, positivamente, não mereço a generosidade com que me acolhem... Tenho desfru­tado aqui uma tranqüilidade que não esperava, porqüanto transporto comigo doloroso problema de consciência...
— Uma das funções de nosso Instituto é precisa­mente apoiar os irmãos desencarnados que surgem aqui, sem qualquer prejuízo na própria integridade moral, mas carreando consigo complexos de culpa, suscetíveis de arrojá-los em alterações de maior vulto. O socorro de nossa casa faz-se tanto mais eficaz quanto mais força de fé patenteie a criatura na possibilidade de superação das fraquezas que nos são peculiares. A sua estrutura psicológica imunizou-o contra os delírios de muita gente boa e digna que, às vezes, se obriga a muito tempo nas aflições purgativas dos grandes manicômios a que nos referimos, sanando os desequilíbrios a que se despenham, em muitos casos por haverem dado orientação falsa ao amor de que se nutriam.
Entregou-se Ribas a ligeira pausa, sorriu e alegou:
— Ainda assim, apesar do seu índice admirável de resistência, o irmão não está seguro contra os resultados de seus próprios atos e deve aprestar-se a fim de ser defrontado por eles.
— Esclareça-me, por favor.
— Queremos dizer que você necessita revestir-se de calma para comparecer diante daqueles que deixou no mundo, de modo a compreender-se e compreendê-los... Na esfera física, muitas vezes ouvimos a afirmativa de que é preciso coragem para ver os mortos e ouvi-los!... A situação aqui não é diferente, em relação aos cha­mados vivos. De maneira geral, todos nós, imediata­mente depois da desencarnação, somos levados a cursos preparatórios de entendimento, para ganhar o ânimo in­dispensável, a fim de rever os vivos e escutá-los de novo, sem danos para eles e para nós...
Os olhos de Ernesto fizeram-se esbugalhados nas órbitas ao assinalar aquelas advertências.
Lágrimas grossas deslizaram-lhe na face, enquanto que, como se sofresse a pressão de molas invisíveis, constrangendo-o a lançar para fora de si as ideias de culpa, que remoía nos recessos da alma, ajoelhou-se à frente do benfeitor, qual criança atemorizada e gritou:
— Instrutor, segundo creio, meu delito é um só; entretanto, é suficiente para criar muitos infernos em meu espírito. Matei um amigo, há mais de vinte anos, e nunca mais tive paz... Sabia-o no encalço de minha esposa com intenções menos dignas, a espreitar-lhe os passos e atitudes...
Via-o sondar minha casa, em minha ausência... Algumas vezes, registrei frases inconvenien­tes da parte dele para com aquela que me partilhava o nome... Um dia, tive a impressão de surpreender nos olhos da companheira certa inclinação afetiva para com o inimigo de minha tranquilidade e, muito antes que minhas suposições se confirmassem, aproveitei o mo­mento que se me figurou oportuno e alvejei-o durante uma caçada a codornas... Atirei para acertar e, satis­feito o meu intento, ocultei-me na folhagem, até que o outro companheiro, pois éramos três homens no entre­tenimento, deu alarme ao esbarrar com o cadáver... A vítima, porém, caíra ao solo em condições tais que a versão de um acidente senhoreou a convicção de todos os circunstantes...
Aterrado perante o meu crime, qual me achava, aceitei, aliviado, a falsa interpretação...
Jamais, no entanto, recuperei o sossego íntimo... Ele, o homem que eliminei, era casado, tanto quanto eu mesmo, e não mais tive coragem de procurar-lhe a família, que, para logo, abandonou a região do terrível acontecido, sequiosa de esquecimento... Esse esquecimento, con­tudo, não veio para mim...
A morte que provoquei, como que me trouxe o temido desafeto para dentro de casa... Desde a ocorrência dolorosa, passei a sentir-lhe a presença no lar, à feição de sombra invariável que me ironiza e me insulta sem que os outros percebam... Em meu círculo doméstico, reconheço-me algemado a ele, como se o infeliz estivese mais vivo e mais forte, a cada dia... Rara a noite em que não lutava com ele em sonho, antes da cirurgia que motivou minha vinda para cá... Então, acordava, como se houvéssemos travado um duelo mortal, para continuar a vê-lo, com os olhos da imaginação, compartilhando-me a vida cotidiana!... Oh! Instrutor Ribas! Instrutor Ribas!... Diga-me, por Deus, se há remédio para mim!... Esperava encontrar, depois da morte, um lugar de punição onde as potências infernais cobrassem de mim a falta que ocultei à jus­tiça da Terra; entretanto, estou usufruindo uma prote­ção exterior que me agrava o tormento íntimo!... Oh!.. meu amigo, meu amigo, que será então de mim, que não mais consigo suportar a mim mesmo?
Assim dizendo, Fantini abraçou-se ao mentor, solu­çando qual menino desamparado, suplicando refúgio.
O Instrutor acolheu-o no regaço paternal e con­solou-o:
— Asserena-te, meu filho!... Somos espíritos eter­nos e Deus, nosso Pai, não nos deixará sem arrimo.
Os olhos de Ribas mostravam lágrimas que não che­gavam a cair. Dir-se-ia que ele, o competente orientador, conhecia por si semelhante martírio da consciência, por­que, longe de repreender, afagou-lhe a cabeça fatigada, que se lhe abrigara sobre os joelhos, e rematou simplesmente:
— A justiça de Deus não vem sem apoio na misericórdia. Confiemos!.
E sem maior delonga, o amigo espiritual ergueu-se, sensibilizado, apagou o espelho de serviço e encerrou a sessão.

ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Por que Ernesto Fantini não recorda imediatamente de suas vidas passadas após a desencarnação?
2) Por que Ernesto não vai diretamente para o umbral após a desencarnação, se reconhece seus erros, sentindo-se culpado?
3) Existe “castigo de Deus” ou “castigo divino” para aqueles que infringem as leis divinas? Justifique.
4) Que culpa Ernesto carregava após a desencarnação?


Um abraço a todos, Karina.
Equipe André Luiz

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 11 – Ernesto Fantini


CONCLUSÃO

1) Por que Ernesto Fantini não recorda imediatamente de suas vidas passadas após a desencarnação?
Após a desencarnação, o Espírito ainda permanece por um tempo sob as fortes impressões da matéria. A recordação das vidas passadas só ocorre gradativamente por um período mais ou menos curto ou longo, de acordo com a evolução do Espírito.

2) Por que Ernesto não vai diretamente para o umbral após a desencarnação, se reconhece seus erros, sentindo-se culpado?
Ernesto já antes da desencarnação arrepende-se do erro, acreditando-se culpado e esperando o sofrimento como forma de reparação. Desse modo, o instrutor Ribas lhe esclarece que o estado de sofrimento está relacionado à condição que o Espírito se apresenta, não a um lugar.
Então, podemos entender que um espírito habita uma região de sofrimento, é porque se encontra em condições vibratórias para estar neste lugar.

3) Existe “castigo de Deus” ou “castigo divino” para aqueles que infringem as leis divinas? Justifique.
Não, as leis de Deus estão inscritas na consciência de cada um. “A Justiça Eterna funciona no foro íntimo de cada cria­tura, determinando que a responsabilidade seja gradua­da no tamanho do conhecimento...”


4) Que culpa Ernesto carregava após a desencarnação?
A de ter assassinado um amigo que acreditava se interessar por sua esposa.

Um abraço a todos,
Equipe André Luiz