E a vida continua

006 – Capítulo 6 – Entendimento fraternal

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 6 – Entendimento fraternal

Entendimento fraternal

— Há quantos dias aqui?
— Positivamente, não sei — adiantou Ernesto, de­notando fome de conversação.
E completou:
— Tenho matutado bastante naquele nosso enten­dimento de Poços de Caldas, acalentando sempre a espe­rança de revê-la...
— Gentileza de sua parte.
Evelina confidenciou a perplexidade em que vivia. Despertara naquela instituição de saúde que desconhe­cia de todo, ôbviamente transferida de casa por imposi­ção da família, porqüanto o único fato de que se recor­dava com clareza era justamente o desmaio em que des­cambara no tope de uma crise das piores que havia atravessado.
E salientou, sorrindo, que tivera a impressão de morrer...
Quanto tempo desacordada? Ignorava.
Retomara-se apenas quando viera a si do sono pro­fundo e sem sonhos, ali mesmo, no quarto do terceiro andar.
Desde então, andava intrigada com o mistério que a administração fazia, em torno dela própria, de vez que não obtivera permissão para telefonar ao marido.
Fantini escutava, atencioso, sem articular palavra. Em derredor, algumas pessoas se mantinham sen­tadas ou caminhavam com naturalidade, lendo ou pales­trando, aqui e ali.
Rosas, miosótis, jasmins, cravinas, begônias e outras flores, sob árvores recordando amendoeiras, fícus e mag­nólias, embalsamavam o ar, extremamente diáfano, com perfume delicioso.
Alongados os comentários que anotava, curioso, Fan­tini mostrou estranho brilho no olhar e concordou com Evelina.
Declarou achar-se em brasas. Revelou que também sofrera esquisita fuga de si mesmo, com a diferença de que isso lhe ocorrera, logo após a cirurgia, quando vol­tava para o leito, segundo acreditava. E registrara aque­le mesmo fenômeno de retrospecção, a que se reportava a senhora Serpa em seus apontamentos confidenciais, no qual se vira repentinamente devolvido ao pretérito, desde os primeiros momentos de espanto até os dias primeiros da infância...
Depois, dormira pesadamente.
Incapaz de explicar-se, quanto ao tempo exato em que se demorara obtuso, inconsciente, tomara acordo de si próprio naquele nosocômio, dez dias antes.
Conservava, igualmente, a mesma estupefação, pe­rante as normas de serviço ali regulamentadas, porque não conseguira o mínimo contacto com a esposa ou a filha, das quais se despedira na cela hospitalar, horas antes do trabalho operatório a que se submetera.
Achava-se, por isso, inquieto.
Ela, Evelina, experimentara o enigmático desmaio, no círculo doméstico, ao pé dos entes queridos. Ele, po­rém, deixara a família em meio de agoniada expectativa, sem que lhe fôsse facultado qualquer recurso de comu­nicação com os parentes. Reconhecia que o estabelecimento de saúde a que se abrigava agora não era o mesmo onde se internara para o tratamento. Chegava a duvidar de que estivesse realmente em São Paulo. O firmamento parecia-lhe um tanto diverso à noite e a piscina de que se servira continha água tenuíssima, em­bora fôsse compreensível tivesse aquela casa filtros e engenhos especiais para a medicação da água comum.
E Ernesto acabou o relatório, indagando:
— A senhora já foi às termas?
— Ainda não.
— Verificará minha surpresa quando for até lá.
— E admite que irei? — retorquiu Evelina com o ar brejeiro de quem se via um tanto mais consolada.
— Perfeitamente. Já ouvi dizer que a hidroterapia aqui é obrigatória.
Fantini sorriu significativamente e enunciou, carre­gando cada palavra de recôndita inquietação:
— Sabe da hipótese mais razoável? Desconfio de que nos achamos, com autorização de nossos familiares, numa organização psiquiátrica. Nada sei de medicina; no entanto, estou supondo que os problemas da supra-renal nos transtornaram a cabeça. Teremos talvez enlouquecido, entrando pelas raias da absoluta alienação mental e, com certeza, a segregação terá sido a providência aconselhável...
— Porque pensa assim? — volveu a senhora Serpa, muito pálida.
— Dona Evelina...
— Não me chame «dona»... Insisto em que somos amigos e agora mais irmãos...
— Seja — aquiesceu Fantini.
E continuou:
— Evelina, você verá os aparelhos engraçados com que nos aplicam raios à cabeça, antes do banho medi­cinal. E creia que todos os doentes acusam melhoras gradativas. Desde anteontem, quando fui à imersão pela primeira vez, sinto-me mais lúcido e mais leve, sempre mais leve...
— Acaso não se vê em boa posição mental, desde que despertou?
— Não tanto. Aflito por notícias dos meus, voltei a sentir agudas crises. Bastava lembrar a mulher e a filha, concomitantemente com a intervenção cirúrgica, e via-me, quase que de imediato, sob asfixia terrível, a desfalecer de sofrimento.
Evelina rememorou a própria experiência, mas si­lenciou. Sentia-se cada vez mais inquieta.
— Através do cuidado com que as autoridades me respondem às interpelações — estendeu-se Fantini —, entendo que se esforçam por manter-nos em harmonia e tranquilidade. Admito que teremos passado por al­gum trauma psíquico e que nos achamos presentemente na reconquista do próprio equilíbrio, o que vamos obten­do, muito a pouco e pouco. Segundo creio, fomos colo­cados sob terapêutica puramente mental. Ainda ontem, renovei a reclamação de sempre, solicitando comunica­ção com meu pessoal e sabe o que a enfermeira de plan­tão me respondeu, perfeitamente senhora de si?
— ?
— «Irmão Fantini, esteja tranquilo. Seus familiares estão informados de sua ausência.» Mas não querem conversar comigo? nem me chamam ao telefone? —indaguei. E a assistente respondeu:
«Sua senhora e sua filha sabem que não podem aguardar tão cedo a sua presença em casa.»
Porque eu recalcitrasse, exigindo providências, a moça declarou: «pOr enquanto isso é tudo o que lhe posso dizer.»
— Que deduz de suas próprias observações?
— Concluo, salvo melhor juízo, que estivemos, cla­ramente sem o sabermos, na condição de alienados mentais — sugeriu Fantini, quase novamente bem-humo­rado —, e decerto emergimos, agora, com muito vagar das trevas psíquicas para o estado normal de consciên­cia. Os médicos e enfermeiros que nos rodeiam estão plenamente justificados, quanto ao propósito de res­guardar-nos contra quaisquer tipos de preocupação com a vida exterior. O menor vinco de aflição na tela mental de nossas impressões do momento, assim penso, nos traria talvez grande prejuízo às emoções e idéias, qual ocorre à pequena distorção que desfigura a simetria das ondas elétricas.
— É possível.
Expressiva pausa caiu entre os dois.
Após fundo mergulho no mundo de si mesmo, Er­nesto rompeu o intervalo:
— Evelina, quando você entrou na crise terrível de que me fala, ter-se-á confessado antes? que lhe teria dito o sacerdote? recebeu dele quaisquer conselhos?
A interlocutora assustou-se, perante a angústia com que semelhantes inquirições eram moduladas e contra-indagou:
— Oh! porquê? porquê, meu amigo? confessei-me antes do desmaio, sempre que pude... mas, porque procura saber? para chasquear?
Fantini, porém, não brincava. Os olhos dele entre­mostravam indisfarçável mal-estar.
— Não se amofine. Pergunto por perguntar —devaneou ele, tamborilando os dedos da mão esquerda sobre o tripé que se erguia à frente —; numa conjun­tura perigosa, qual a que atravessamos, toda a assis­tência é pouca... Lembrei-me de que você tem uma reli­gião e de que ainda sou um homem sem fé...
Ernesto ainda não rematara de todo a última frase, quando uma jovem, num grupo de três que caminhavam a curta distância, se rojou ao chão, como quem fora subitamente acometida por violento acesso de histeria, gritando em meio de manifesta agonia mental:
— Não!... Não posso mais!... quero minha casa, quero os meus!... Minha mãe ..... onde está minha mãe? Abram as portas!... Bandoleiros! Quem é bas­tante corajoso aqui para derrubar comigo estes muros? A polícia!... Chamem a polícia!...
Tratava-se, inquestionàvelmente, de um caso de lou­cura, mas havia tanto sofrimento naquela voz que os circunstantes mais próximos se levantaram, espanta­diços.
Uma senhora, irradiando paciência e bondade, exi­bindo na blusa as insígnias de enfermeira da casa, surgiu de chofre, abriu caminho no grupo de curiosos que co­meçava a adensar-se e inclinou-se, abraçando, maternalmente, a menina revoltada. Sem o mínimo impulso à repreensão, soergueu-a, notificando com inexcedível bran­dura:
— Filha, quem lhe disse que não voltará a sua casa? que não reverá sua mãe? Nossas portas jazem aber­tas... Venha comigo!...
— Ah! irmã — suspirou a jovem repentinamente asserenada por aquelas mãos fortes e boas que a enla­çavam —, perdoe-me!... Perdoe-me! Não tenho razão de queixa, mas estou com saudades de minha mãe, sinto falta de casa! Há quanto tempo estou aqui, sem qualquer dos meus?
Sei que sou doente, recebendo o benefício da cura, mas porque não tenho notícias?...
A assistente ouviu calma e apenas prometeu:
— Você as terá...
Passando-lhe, em seguida, o braço carinhoso acima dos ombros, concluiu:
— Por agora, vamos ao repouso!...
A menina, como quem surpreendera na benfeitora alguma recordação do calor materno de que sentia exacerbada carência, encostou a loura cabeça ao peito que lhe era ofertado e retirou-se, soluçando...
Evelina e Ernesto, que haviam acorrido para o au­xílio possível, contemplaram o quadro, entre aflitos e magoados.
Em ambos, a sede de esclarecimento.
Que ilação recolher da súplica chorosa da doentinha atribulada pela ausência do ninho doméstico? que hos­pital era aquele? um pronto-socorro para alienados men­tais? um nosocômio destinado à recuperação de desme­moriados?
Num impulso de curiosidade que não mais pôde so­pitar, abeirou-se Evelina de uma senhora simpática que acompanhara a cena, denotando aguda atenção, e cujos cabelos grisalhos lhe recordavam a cabeleira materna, o assuntou com discrição:
— Desculpe-me, senhora. Não nos conhecemos, mas a aflição em comum nos torna familiares uns aos ou­tros. A senhora pode dar alguma informação, acerca da pobre menina perturbada?
Eu? eu? — redargüiu a interpelada.
E advertiu:
— Minha filha, eu aqui, pràticamente, não sei da vida de ninguém.
— Mas escute, por favor. Sabe onde estamos? em que instituto?
A matrona achegou-se mais para perto de Evelina que, a seu turno, recuou para junto de Fantini, e co­chichou:
— A senhora não sabe?
Ante o assombro indisfarçável da senhora Serpa, di­rigiu o olhar penetrante para Ernesto e aduziu:
- E o senhor?
— Nada sabemos — comunicou Fantini, cortês.
— Pois alguém já me disse que estamos todos mortos, que já não somos habitantes da Terra...
Fantini sacou o lenço do bolso para enxugar o suor que passou a escorrer-lhe abundantemente da testa, en­quanto Evelina cambaleou, prestes a desfalecer.
A desconhecida estendeu os braços à companheira e recomendou, preocupada:
— Minha filha, contenha-se. Temos aqui dura dis­ciplina. Se mostrar qualquer sinal de fraqueza ou re­beldia, não sei quando voltará a este pátio...
— Repousemos — interveio Ernesto.
E dando o braço a Evelina, ao passo que a dama prestimosa ajudava a escorá-la, rumaram os três para largo assento próximo, sob grande fícus, onde passaram a descansar.

QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Evelina reencontra com Ernesto Fantini no hospital e ambos começam a buscar informações sobre o motivo de não reencontrarem os familiares. Em sua opinião, por que eles não são informados da desencarnação logo que despertam do leito?

2) Que tipo de hipótese Ernesto Fantini acredita que ambos estão enfrentando?

3) Ao conversar no pátio com outras pessoas, uma senhora esclarece: “alguém já me disse que estamos todos mortos, que já não somos habitantes da Terra...”
Por que a hipótese da desencarnação não surge na mente de Evelina e Ernesto Fantini?


Um abraço a todos!
Equipe André Luiz

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 6 – Entendimento fraternal


CONCLUSÃO

1) Evelina reencontra com Ernesto Fantini no hospital e ambos começam a buscar informações sobre o motivo de não reencontrarem os familiares. Em sua opinião, por que eles não são informados da desencarnação logo que despertam do leito?
Após a morte do corpo físico, o Espírito passa por um estado de perturbação espiritual que pode durar um tempo maior ou menor dependendo do estado evolutivo do Espírito. Os Bons Espíritos respeitam o tempo de amadurecimento de cada um e compreendem que não se deve criar constrangimento para que a verdade seja recebida de modo repentino e abrupto.

2) Que tipo de hipótese Ernesto Fantini acredita que ambos estão enfrentando?
Ernesto acredita que ambos estão em uma unidade psiquiátrica em função da doença que passaram no corpo físico, para se restabelecerem. De algum modo, justifica ser necessário o afastamento dos familiares, compreendendo ser importante o equilíbrio mental.

3) Ao conversar no pátio com outras pessoas, uma senhora esclarece: “alguém já me disse que estamos todos mortos, que já não somos habitantes da Terra...” Por que a hipótese da desencarnação não surge na mente de Evelina e Ernesto Fantini?
A ideia da desencarnação não surge imediatamente como hipótese tanto para Evelina, quanto para Ernesto Fantini. Ambos acreditam estarem ainda encarnados por continuarem tendo sensações no corpo espiritual (que imaginam ser físicas) e por encontrarem no hospital um ambiente similar a Terra.
Este livro nos mostra que a vida continua com a morte do corpo físico e mostra o mundo espiritual com aspectos que para o Espirito aparenta “materialidade” tal como na Terra.

Um abraço a todos,
Equipe André Luiz