E a vida continua

005 – Capítulo 5 - Reencontro

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 5 - Reencontro

Reencontro

Evelina despertou num quarto espaçoso, com duas janelas deixando ver o céu.
Emergia de um sono profundo, pensou.
Diligenciou recordar-se, assentando contas da pró­pria situação.
Como teria entrado na amnésia de que estava tor­nando agora à tona da consciência?
Desemperrou a custo os mecanismos da memória e passou a lembrar-se, vagarosamente... A princípio, in­descritível pesadelo lhe conturbara o repouso começante. Sofrera, decerto, uma síncope inexplicável. Percebera-se movendo num mundo exótico de imagens que a faziam regredir na estrada das próprias reminiscências. Reca­pitulara, não sabia como, todas as fases de sua curta vida. Voltara no tempo. Reconstituira todos os dias já vividos, a ponto de rever o pai chegando morto ao lar, quando contava sômente dois anos de idade. Nesse filme que as energias ocultas da própria mente haviam exibido para ela, nos quadros mais íntimos do ser, ouvira, de novo, os gritos maternos e enxergava, à frente, os vizi­nhos espantados, sem compreender a tragédia que se lhe abatia sobre a casa...
Depois, registrara a impressão de tremendo choque.
Algo como que se lhe desabotoara no cérebro e vira-se flutuar sobre o próprio corpo adormecido...
Logo após, o sono invencível.
De nada mais se apercebera.
Quantas horas gastara no torpor imprevisto? Es­taria regressando a si, vencido o colapso, por efeito de algum tratamento de exceção? Porque não via, ali, junto do leito, algum familiar que lhe propiciasse as necessá­rias explicações?
Tentou sentar-se e o conseguiu, sem a menor difi­culdade.
Inspecionou o ambiente, concluindo que o pouso se lhe trocara. Inferiu das primeiras observações que, tom­bada em desmaio, fora reconduzida ao hospital e ocupa­va, agora, larga dependência, que o verde-claro tornava repousante.
Em mesa próxima, viu rosas que lhe chamavam a atenção para o perfume.
Cortinas tênues bailavam, de manso, aos ritmos do vento, que penetrava as venezianas diferentes, talhadas em substância semelhante ao cristal revestido de essên­cia esmeraldina.
Em tudo, simplicidade e previsão, conforto e leveza. Evelina bocejou, distendeu os braços e não se sur­preendeu com qualquer dor.
Recuperara-se enfim, refletiu alegre.
Conhecia a presença da saúde e a testemunhava em si mesma. Nenhum sofrimento, nenhum estorvo.
Se algo experimentava de menos agradável, era pre­cisamente um sinal de robustez orgânica: sentia fome.
Onde o marido? onde os pais?
Desejava gritar de felicidade, comunicando-lhes que sarara. Aspirava a dizer-lhes que os sacrifícios efetuados por ela não haviam sido inúteis. No íntimo, agradecia a Deus a dádiva do próprio restabelecimento e ansiava estender a jubilosa gratidão aos seres queridos.
Não mais lograva sopitar o coração embriagado de regozijo e, por isso, buscou a campainha, rente a ela. Apertou o botão de chamada e uma senhora de sem­blante doce e atraente apareceu, saudando-a com pala­vras de irradiante carinho.
Evelina aceitou com naturalidade a cooperação da desconhecida.
— Enfermeira — falou para a recém-chegada —, pos­so rogar-lhe o favor de chamar meu marido?
— Tenho instruções para, antes de tudo, informar o médico sobre suas melhoras.
A senhora Serpa concordou, afirmando, no entanto, que sentia necessidade de reencontrar os familiares, de maneira a repartir com eles o próprio júbilo.
— Compreendo... — redarguiu a serviçal, com in­flexão de ternura.
— Tenho sede de entender-me com alguém — adi­tou a convalescente, animada —, como se chama a se­nhora?
— Chame-me Irmã Isa.
— Decerto, a senhora me conhece. Sou Evelina Serpa e devo ter aqui minha ficha...
— Sim.
— Irmã Isa, que me sucedeu? Estou bem, mas num estado estranho que não sei definir...
— A senhora passou por longa cirurgia, precisa descansar, refazer-se...
Para Evelina, em verdade, nada havia de surpreen­dente naquelas palavras articuladas em tom significa­tivo. Sabia-se operada. Passara pela dolorosa ablação de um tumor. Estivera em casa, melhorara tanto que obtivera um passeio com o marido pelas estradas do Morumbi. Apesar de tudo, reconhecia-se novamente hos­pitalizada, sem poder ajuizar dos motivos.
Enquanto alinhava indagações mudas, não viu que a atendente pressionava um ponto cinza, em determinado recanto, comunicando-se com o médico de plantão.
Em dois minutos, um homem de branco entrou, calmo.
Cumprimentou a doente, examinou-a, sorriu satis­feito.
— Doutor... — começou dizendo, ansiosa por jus­tificar-se.
E pediu informes. Desejava saber como e quando conseguiria rever o esposo e os pais.
Não seria justo dar aos seus a notícia do êxito com que o hospital a brindava?
O facultativo ouviu-a, paciente, e rogou-lhe confor­midade. Retornaria aos parentes, mas precisava rea­justar-se.
Gesticulando carinhosamente, qual se sossegasse uma filha, aclarou:
— A senhora está melhor, muito melhor; entre­tanto, ainda sob rigorosa assistência de ordem mental. Em se ligando a quaisquer agentes suscetíveis de induzi-la a recordações muito ativas da moléstia que so­freu, é provável que todos os sintomas reapareçam. Pense nisso. Não lhe convém, por agora, recolocar-se entre os seus.
E com um olhar ainda mais compreensivo, ajuntou:
— Coopere...
Evelina ouviu a observação, de olhos lacrimosos, mas resignou-se.
Afinal, concluiu intimamente, devia ser reconhecida aos que lhe haviam granjeado a bênção da nova situa­ção. Não lhe cabia interferir em providências, cujo sig­nificado era incapaz de apreender.
Adivinhando que o médico se dispunha a sair, solicitou com humildade se lhe seria permitido ler e, se essa concessão lhe fôsse feita, rogaria que a casa lhe emprestasse algum volume em que pudesse colher ensinamentos de Cristo. Sensi­bilizado, o médico lembrou o Novo Testamento e, a bre­ves instantes, a atendente trouxe o livro mencionado.
Restituida à solidão, Evelina começou a ler o Sermão da Montanha; todavia, a advertência clínica se lhe in­trometia na imaginação, insistentemente. Se estava res­taurada, qual se via, porque simples lembranças lhe im­poriam retorno aos padecimentos de que se acusava li­berta? Porquê?
Percebia-se na posse de inenarrável eu­foria. Deliciosa sensação de leveza lhe mantinha a dis­posição para a alegria, como nunca sentira em toda a existência.
Tais recursos de equilíbrio orgânico seriam assim tão fáceis de perder?
Retirou a atenção do livro e engolfou-se em novas cogitações... E se reconstituisse em espírito a presença de Caio e dos pais, com veemência? e se concentrasse os próprios pensamentos nas dores que havia deixado à retaguarda?
Infelizmente para ela, confiou-se a semelhantes exer­cícios e, decorridos alguns minutos, a crise revelou-se, agigantando-se-lhe no corpo em momentos rápidos. Re­gelavam-se-lhe as extremidades, enquanto que mantinha a ideia de que um braseiro a requeimava por dentro, com a dispneia afrontando-lhe o peito. Desencadeados os sin­tomas, quis reagir, contrapor conceitos de saúde aos de doença; entretanto, era tarde. O sofrimento ganhou-lhe as forças e passou a contorcer-se no suplício de que se admitira definitivamente distanciada...
Atônita, premiu a campainha e a prestimosa aten­dente se desdobrou na tarefa assistencial.
O médico reapareceu e administrou sedativos.
Ambos, nem ele nem a enfermeira, lhe endereçaram o mínimo reproche, mas a doente lhes leu no olhar a convicção de que tudo haviam compreendido. Em silên­cio, davam-lhe a saber que não lhe ignoravam a teimosia e que, com toda a certeza, não se acomodando aos avi­sos recebidos, quisera experimentar por si mesma o que vinha a ser um tipo de mentalização inconveniente.
Conquanto a bondade de que dava mostras, o médico agiu com energia.
Forneceu instruções severas à companheira de ser­viço, depois da injeção calmante que ele próprio aplicou à senhora Serpa, em determinada região da cabeça, e recomendou medidas especiais para que ela dormisse. Aconselhável obrigá-la a repousar mais tempo, contro­lada por anestésicos. A doente não podia e nem devia entregar-se a ideias fixas, sob pena de voltar a sofrer sem necessidade.
Evelina registrou as observações dele, em franca mo­dorra. Depois, abismou-se em pesado sono, do qual des­pertou muitas horas após, consciente de que lhe com­petia cuidar-se, evitando novo pânico. Mostrou o desejo de alimentar-se e foi imediatamente atendida com caldo quente e reconfortante, que lhe calhou gostosamente ao paladar, à feição de néctar.
Refêz-se, vigilante. Reconhecia-se sob uma espécie de assistência cuja eficácia e poder não lhe cabia agora subestimar.
Finda uma semana em descanso absoluto, com en­tretenimentos de leitura escolhida pelas autoridades que a cercavam, passou a caminhar no recinto do quarto.
Ao retomar a verticalidade, assinalava em si mes­ma inequívocas diferenças. Os pés se lhe patenteavam leves, qual se o corpo houvesse diminuído de peso, inten­sivamente, e, sobretudo, no cérebro, as idéias lhe nasciam em torrente, vigorosas e belas, quase a se lhe ma­terializarem diante dos olhos.
Numa tarde em que se via mais amplamente esti­mulada a reaver os movimentos normais, abeirou-se da janela que dava para um pátio enorme e, do alto do ter­ceiro andar que a hospedava, contemplou dezenas de pessoas que conversavam alegremente, muitas delas sen­tadas em torno de irisada fonte que se erigia em centro de florido e extenso jardim.
Aquela sociedade serena atraiu-a.
Tinha sede de convivência, atreita que se achava a austeras disciplinas. A vista disso, consultou a enfer­meira se lhe era concedido descer, travar conhecimento com alguém. Afinal, sugeriu com otimismo, uma casa de saúde não deixa de assemelhar-se a um navio, em cujo bojo as criaturas se interessam umas pelas outras, estendendo-se as mãos.
A serviçal achou graça e escorou-a nos braços, para a descida.
Poderia, sim, divertir-se ali. O ambiente lhe faria bem, ao mesmo tempo que lhe seria lícito granjear uma que outra amizade.
Deixada a sós, fitou ansiosamente os rostos que a rodeavam. Figurou-se-lhe estar no seio de vasta família de pessoas afins pelo coração, mas quase todas desco­nhecidas entre si, qual acontece num balneário.
Todos os circunstantes acusavam-se na posição de convalescentes, adivinhando-se-lhes, sem dificuldade, os vestígios das enfermidades de que haviam conseguido evadir-se.
Evelina interrogava-se, quanto ao melhor processo de estabelecer contacto com alguém, quando viu um ho­mem, não longe, que a fitava, evidentemente assombrado. Oh! não era aquele cavalheiro, exatamente Ernesto Fantini, o improvisado amigo das termas? O coração bateu-lhe agitado e estendeu, na direção dele, os dois braços, dando-lhe a certeza de que o aguardava, de alma aberta.
Fantini, pois era ele mesmo, ergueu-se da poltrona em que se guardava e avançou para ela, a passos rá­pidos.
— Evelina!... Dona Evelina!... Estarei realmente vendo a senhora?
— Eu mesma! — respondeu a moça, chorando de alegria.
O recém-chegado não foi estranho à emotividade daquele minuto inesquecível. Lágrimas lhe rolaram no rosto simpático e sisudo, lágrimas que ele buscava en­xugar, embaraçado, procurando sorrir.
— Há quantos dias aqui?
— Positivamente, não sei — adiantou notando fome de conversação.



QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Que tipo de impressões teve Evelina após a desencarnação?
2) Quais as recomendações o médico de plantão trouxe a Evelina?
3) O que acontece quando Evelina se concentra nas dores vividas? Justifique.
4) Que diferenças Evelina experimenta eu seu corpo quando decidiu caminhar? Justifique.

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 5 - Reencontro


CONCLUSÃO

1) Que tipo de impressões teve Evelina após a desencarnação?
Evelina recapitula todas as fazes de sua vida, como num filme. Ao despertar, acredita ter-se reabilitado do problema orgânico, como se a cirurgia realizada tivesse sido bem sucedida.
Sentava sem dificuldade e não sentia dor. Buscava então, notícias de seus familiares.

2) Quais as recomendações o médico de plantão trouxe a Evelina?
O médico e plantão lhe confirma a melhora, porém lhe diz que ainda não é o momento de reencontrar os entes querido. Esclarece que é preciso cuidar de seus pensamentos, pois se buscar recordações das dores físicas que padeceu, os sintomas podem reaparecer.

3) O que acontece quando Evelina se concentra nas dores vividas? Justifique.
Evelina questiona as orientações recebidas e passou a lembrar-se dos acontecimentos vividos com intensidade e após alguns minutos, as impressões da doença começam a lhe influenciar. Sente o sofrimento e pede ajuda novamente da atendente.
Isso acontece, pois apesar de não ter mais o corpo físico, Evelina possui seu corpo espiritual ou períspirito que mantém o registro das sensações vividas.
Embora a dor não seja de ordem física, as impressões registradas no períspirito e a evocação mental destas reminiscências dão ao Espírito a sensação de experimentar as mesmas dores já vividas.

4) Que diferenças Evelina experimenta eu seu corpo quando decidiu caminhar? Justifique.
Evelina sentia leveza nos pés, como se seu corpo houvesse diminuído de peso. Além disso, as ideias surgiam em seu cérebro como se fossem materializadas diante de si.
Essa leveza de Evelina é consequência de não ter mais o corpo físico que traz limitações a plena manifestação do Espírito.

Sugestão de leitura em ‘O Livro dos Espíritos’:
Questão 257 - Ensaio teórico da sensação dos Espíritos

Um abraço a todos!
Equipe André Luiz