E a vida continua

004 – Capítulo 4 - Renovação

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 4 - Renovação


Evelina sômente voltou a pensar na presença con­fortadora de Ernesto, o amigo desconhecido, quando Dr. Caio Serpa, o esposo, a deixou naquele espaçoso apartamento de hospital, na véspera da cirurgia, no qual se via, agora, ruminando estranhas reflexões.
Era por demais jovem e estava quase que absolu­tamente convencida, quanto à própria recuperação, para demorar-se em quaisquer vaticínios menos felizes. En­tretanto, ali, a sós, aguardando a enfermeira, as alega­ções de Fantini lhe perpassavam o cérebro, escaldando-lhe a imaginação.
Sim, meditava torturada, arrostaria grande risco. Talvez não regressasse à convivência dos seus... Se morresse, para onde iria? Quando menina, acreditava, de boa fé, na existência dos lugares predeterminados de felicidade ou sofrimento, sobre os quais a antiga teo­logia católica regulava a posição dos homens, para lá da morte. Agora, porém, com a ciência explorando as vastidões cósmicas, era bastante inteligente para perceber o tato com que o amadurecido confessor lhe falava das indispensáveis renovações que se impunham à esfera religiosa. Aprendera com ele, generoso e culto amigo, a conservar, inalterável, a confiança em Deus, no divino apostolado de Jesus-Cristo e no ministério inefável dos santos; contudo, decidira colocar à parte, no rumo da necessária revisão, todas as afirmativas da autoridade humana sobre as coisas e causas da Providência Di­vina. A idéia da morte assomou-lhe à cabeça com mais força, mas repeliu-a. Queria a saúde, a euforia orgâ­nica. Ansiava restaurar-se, viver. Deteve-se, de súbito, a esquadrinhar os problemas domésticos. Evidentemente, atravessava escabrosa fase nas relações conjugais; no entanto, tinha motivos para contar com feliz reajuste. Admitia-se em plena floração dos ideais feminis. Carecia, tão-só, de reequilíbrio físico. Recuperando-se, diligencia­ria remover a outra. Transfiguraria a área afetiva e de tal modo se propunha aformoseà-la que o esposo, decerto, lhe tornaria ao carinho, sem que fôsse constrangida a usar azedume ou discussão. Além disso, reconhecia-se útil. Devia querer a vida, disputá-la a todo preço, sentir-se prestante, não apenas para os familiares, mas tam­bém para as criaturas menos felizes. Poderia, sem dú­vida, diminuir a penúria onde a penúria existisse...
A lembrança, com respeito aos necessitados, sensi­bilizou-a... Quantos respirariam, ali mesmo, perto dela, isolados, uns dos outros, pelas fronteiras de alvenaria? como não pensara nisso antes?
Gastara a existência na condição de satélite de três pessoas, o marido, a genitora, o padrasto... Porque não reaver as próprias forças, renovar-se, viver? Sim, recusaria todo pensamento, acerca dos fenômenos da morte, e concentrar-se-ia, com todo o vigor de que se sentia capaz, no propósito de retomar-se orgânicamente.
Lera muitos psicólogos e conhecera com eles a im­portância dos impulsos mentais. Aspirava a sarar. Re­petiria isso, tantas vezes quantas fôsse possível, com todos os seus potenciais de força emotiva, escolhendo as palavras carregadas de energia que lhe pudessem de­finir com mais segurança os estados de alma.
Ah! — disse, pensando, de si para si — nesse sen­tido, oraria também!...
Formulada essa idéia, esbarrou, de chofre, com a imagem de Jesus Crucificado, a pender de parede pró­xima, e arrancou-se para ela. Contemplou o rosto su­blime que o artista modelara com sentimento profundo e, cruzando as mãos sobre o peito, falou mais com a voz do coração do que com os lábios:
— Senhor, compadece-te de mim!...
Nisso, porém, ao fitar aquela cabeça coroada de es­pinhos e aqueles braços pregados ao lenho do sacrifício, pareceu-lhe que o Cristo estimava surgir na memória das criaturas naquela figura de dor para lembrar-lhes a fatalidade da morte.
Fundo abalo moral convulsionou-lhe os nervos, não mais sabia se lhe era lícito optar entre viver ou morrer e, escondendo o rosto entre as mãos, ajoelhou-se, humil­de, à frente da escultura delicada, junto da qual pran­teou copiosamente.
Alguém despertou-a, de manso:
— Chorando porque, senhora?
Diligente enfermeira vinha requisitá-la ao serviço pré-operatório.
Evelina ergueu-se, enxugou as lágrimas, sorriu.
— Desculpe-me.
- Sou eu que a incomodo, senhora Serpa — rogou a jovem —, perdoe-me se lhe perturbo as orações; no entanto, urge aprestar-se. Além disso, o esposo aguarda ocasião para entrar.
A doente obedeceu, ausentando-se do quarto, por algum tempo, e retornando, logo após.
O marido esperava-a, folheando jornais do dia.
— Então — bisbilhotou ele, fingindo-se bem-humo­rado —, agora, o salão de beleza, amanhã, o retorno à saúde.
A voz do Dr. Serpa evidenciava energia e brandura simultâneas. Advogado jovem, mas experimentado em relações públicas, exibia maneiras estudadas, conquanto simpáticas. Autêntico representante do tope social, não se lhe notava o menor desalinho. Justo, porém, dizer que o moço causídico se trancava no imo do ser, esfor­çando-se por manter oculta a feição enigmática da própria alma. Não estava ali, na estampa física, tal qual se mostrava por dentro. Não era tão-somente um homem natural, simplesmente um homem natural, em cujo ca­ráter o verniz acadêmico não conseguia extinguir, de todo, os resíduos da animalidade, compreensíveis em todas as criaturas da Terra, ainda puramente naturais e humanas. Além disso, aos nossos olhos espirituais, patenteava sombrias inquietações.
Depois das primeiras palavras, quentes de ternura, abeirou-se da esposa e osculou-lhe os cabelos.
Ela não dissimulou a própria alegria e conversaram em suave transbordamento afetivo.
Evelina reafirmou com os lábios a certeza da recupe­ração próxima, enquanto ele dava noticias.
Os sogros, em seu sítio no sul, esperavam boas novas da operação e lhes viriam ao encontro, oportunamente. Com certeza, não chegariam, de imediato, evitando alarme. Queriam dar à filha querida a convicção de que se achavam tran­quilos, quanto ao tratamento em curso.
E Caio desdobrava outros informes.
Ouvira amigos médicos. Realizara interessantes es­tudos em torno da intervenção na supra-renal. Quanto ao caso dela, Evelina, o cirurgião estava otimista. Que lhes faltava agora, senão o êxito, com a bênção de Deus?
Regozijou-se a enferma, ao registrar-lhe a expres­são «bênção de Deus. Algo de novo estaria surgindo naquele estimado ateu de trinta anos? — monologava no íntimo. Caio se lhe afigurava, ali, mais atencioso, diferente. Simples de coração, não percebia que ele dis­farçava. Serpa emitia comunicações imaginárias. O mé­dico da família, tanto quanto o cirurgião, nada garan­tiam além de uma operação exploratória, com reduzidas esperanças de êxito, O próprio cardiologista, devidamen­te consultado, quase que desaconselhava o tentame, e só não o fazia porque a moça avançava, a passos largos, para a morte. De que valeria obstar uma providência que talvez a salvasse? O marido conhecia as preocupa­ções em pauta; contudo, fantasiava argumentos confortativos, mentia piedosamente, comentando os exames, complementados de avisos francos, sobre a gravidade da situação.
O advogado pernoitou no próprio hospital, na con­dição de acompanhante da enferma.
Auxíliou a serviçal da noite, na administração de tranquilizantes precur­sores da anestesia.
Dispensou à doente carinhos e cui­dados, qual se ela fôsse uma criança e ele o pai zeloso.
No dia imediato, porém, finda a cirurgia, foi con­vidado a entendimento com o médico operador e, pálido, colheu a sentença. Evelina, segundo os recursos da ciên­cia humana, dispunha tão-somente de alguns dias mais. Que ele, o marido, tomasse as medidas que julgasse con­venientes, a fim de que não lhe faltasse o conforto pos­sível.
O médico resumiu todas as suas impressões numa só frase:
— Ela parece uma rosa totalmente carcomida por agentes malignos.
Caio, embora o quisesse, nada mais ouviu das doutas observações expendidas sobre neoplasmas, focos secundários, metástases e tumores que reincidiam depois da ablação. Sentia-se petrificado. Lágrimas compridas penaram-lhe a face.
Concluído o testemunho de solidariedade e ternura humanas com que foi amparado pelo cirurgião amigo, correu para junto da companheira prostrada. E durante dias e noites de paciência e ansiedade, foi-lhe o irmão e o pai, o tutor e o amigo.
Satisfazendo-lhe os apelos, os sogros vieram conso­lar a filha nos dias últimos. Dona Brígida, a genitora, e o Sr. Amâncio Terra, o padrasto, proprietários de sítio próspero, no sul paulista, compareceram desolados, bus­cando, no entanto, selecionar palavras de otimismo e sustando o choro.
Embalada na rede do devotamento familiar, Evelina, aparentemente melhorada, voltou ao mundo doméstico, recolhendo mimos que, desde muito tempo, não recebia, concomitantemente com as crises periódicas de sufocação que a deixavam inerme.
Apesar da posição melindrosa, acreditava nas opi­niões lisonjeiras dos familiares e dos amigos.
Aquilo passaria. Ninguém se forra às sequelas de uma operação, qual a que sofrera. Que ela confiasse, orasse com fé.
Após duas semanas de calmaria e repiquetes, sur­giram seis dias de contínuo bem-estar.
Não obstante extremamente magra e abatida, trans­feriu-se do leito para a espreguiçadeira, alimentava-se quase que normalmente, conversava tranquila, obtinha o conforto da religião através da cortesia de um sacer­dote abnegado e, à noite, pedia ao padrasto alguns mi­nutos de leitura alegre e amena.
Ao entardecer do quinto dia de esperança, formulou uma solicitação inesperada.
Não poderia Serpa levá-la ao passeio predileto dos tempos de noivado?
— Morumbi à noite? — indagou a mãezinha, intri­gada.
Evelina justificou-se. Queria ver a cidade faiscante de luzes ao longe, os olhos tinham saudade do céu es­trelado.
Caio telefonou ao médico e o médico acedeu.
Mais algum tempo, aflito por satisfazê-la, o marido arrancou o carro à garagem, para, logo após, tomá-la de encontro ao peito, qual se carregasse leve menina. Aco­modou-a ao lado dele, prescindiu da companhia dos sogros, e partiram.
A enferma seguia, encantada. Reviu as ruas reple­tas e, depois, a paisagem do Morumbi e arredores, no que ela possuía de mais natureza.
Ao vê-la falar, entusiasmada, o esposo enterneceu-se. Como que a reencontrava na moldura de noiva querida, da noiva a quem amara desvairadamente, anos antes. Experimentou remorsos, recordando a infidelidade con­jugal em que se mantinha. Quis suplicar-lhe perdão, confessar-se, mas reconheceu que aquele não era o mo­mento adequado.
Freou o carro, contemplou-a. Evelina parecia suti­lizar-se, os olhos brilhavam aos toques do luar, movia-se a cabeça como que nimbada de luz...
Caio tomou-a nos braços robustos, com a ansie­dade de quem se propunha apoderar-se de um tesouro e defendê-lo... Num transporte irresistível de carinho, beijou-a e beijou-a, até que lhe sentiu o rosto frio mo­lhado de lágrimas ardentes...
Evelina chorava de ventura.
Ao sentir-se liberta daqueles braços que adorava, deitou a cabeça ligeiramente para fora e deteve-se na visão do firmamento que se lhe figurava agora um cam­po gigantesco, ostentando flores de fogo e prata...
Buscou a destra do companheiro, apertou-a demo­radamente e indagou:
— Caio, você acredita que nos encontraremos, de­pois da morte?
Ele desconversou, ligou o motor, exortou-a a trocar de assunto, proibiu-a, em tom afetuoso, de reportar-se ao que nomeou como sendo coisas tristes, e regressaram.
Caminho afora, a enferma lembrou-se do entendi­mento fácil com Ernesto Fantini, o improvisado amigo do balneário. Inexplicavelmente para ela mesma, tinha saudades daquela presença que lhe fora suave e grata. Sentia sede de permuta espiritual. Aspirava a falar nos segredos da vida eterna e ouvir alguém, no mesmo tema e no mesmo diapasão. Naquele instante, porém, o es­poso se lhe destacava na imaginação por estranho vio­lino que não se lhe adaptava agora às fibras do arco. As emoções sublimes lhe esmoreciam no peito, à míngua de crescimento e repercussão. Preferiu, desse modo, es­cutar o marido, abençoá-lo, aprová-lo.
Mais um dia sereno e, em seguida, Evelina ama­nheceu em crise. De angústia em angústia, com anesté­sicos de permeio, a jovem senhora Serpa atingiu a der­radeira noite no mundo.
Ante a mágoa profunda do esposo e dos pais, que tudo fizeram para retê-la, Evelina, fatigada, cerrou os olhos do corpo físico, na suprema libertação, justa­mente quando as estrelas desmaiavam na antemanhã, sobre-rondando alvorada nova.


QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1) Que tipo de renovação Evelina começa a experimentar ao se aproximar de sua cirurgia?

2) Qual a intuição e pensamento que lhe ocorrem quando Evelina realiza uma prece frente à imagem de Jesus?

3) Caio Serpa, marido de Evelina mente ao lhe fazer acreditar em sua recuperação da saúde, mesmo sabendo que sua desencarnação esta próxima. O que esta atitude pode gerar no Espírito que está próximo a desencarnar? Comente.

4) Ao chegar no plano espiritual, Evelina poderá continuar sofrendo os efeitos sua doença no corpo físico? Justifique.


Um abraço a todos,
Equipe André Luiz

Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE

Sala de Estudos André Luiz

Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB)

Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier

Tema: Capítulo 4 - Renovação


Conclusão

1) Que tipo de renovação Evelina começa a experimentar ao se aproximar de sua cirurgia?
A possibilidade da morte com a cirurgia faz com que Evelina comece a refletir sobre a vida após a morte, ponderando sobre o que aprendeu na religião. Entretanto, Evelina repele a ideia de morte e se concentra nos problemas domésticos.

2) Qual a intuição e pensamento que lhe ocorrem quando Evelina realiza uma prece frente a imagem de Jesus?
Através da prece sincera Deus envia os bons Espíritos para o socorro necessário. Quando Evelina ora e se fixa na imagem de Jesus, lembra-se novamente da morte “sem saber se lhe era lícito, optar entre viver ou morrer...”

3) Caio Serpa, marido de Evelina mente ao lhe fazer acreditar em sua recuperação de saúde, mesmo sabendo que sua desencarnação esta próxima. O que esta atitude pode gerar no Espírito que está próximo a desencarnar?
Caio Serpa foi informado pelos médicos de que o estado de saúde de Evelina era grave, sem perspectivas de cura. Mas, fantasiava argumentos e mentia para Evelina sobre a gravidade de seu estado de saúde.
Assim, contribui para que Evelina acredite que conseguirá seu restabelecimento físico, sem cogitar a hipótese da desencarnação.

4) Ao chegar no plano espiritual, Evelina poderá continuar sofrendo os efeitos de sua doença no corpo físico? Justifique.
Ao desencarnar, o corpo físico se destrói, mas o Espírito continua com seu corpo espiritual ou períspirito que registra as impressões da matéria e do que o espírito vivencia.
Essas impressões decorrentes das doenças do corpo físico tendem a desaparecer gradativamente e de acordo com a evolução moral do Espírito. Quanto mais o Espírito for depreendido das questões materiais, mas facilmente ele se liberta das impressões que a doença lhe causou.

Um abraço a todos, Karina.
Equipe André Luiz