Nos Domínios da Mediunidade

007 – Socorro espiritual

RESUMO DO CAPÍTULO



Sob a influência de Clementino, que o envolvia inteiramente, Silva levantara-se e dirigia-se ao comunicante com bondade:
- Meu amigo, tenhamos calma e roguemos o amparo divino!
- Estou doente, desesperado...
- Sim, todos somos enfermos, mas não nos cabe perder a confiança. Somos filhos de Nosso Pai Celestial que é sempre pródigo de amor.
- É padre?
- Não. Sou seu irmão.
[...]

A paciência do doutrinador sensibilizava-nos.
Não recebia Libórnio, qual se fora defrontado por um habitante das sombras, suscetível de acordar-lhe qualquer impulso de curiosidade menos digna.
Ainda mesmo descontando o valioso concurso do mentor que o acompanhava, Raul emitia de si mesmo sincera compaixão de mistura com inequívoco interesse paternal. Acolhia o hóspede sem estranheza ou irritação, como se o fizesse a um familiar regressasse demente ao santuário doméstico.
Talvez por essa razão o obsessor a seu turno se revelava menos agastadiço.

[...]

- Não sou um ministro religioso - continuava Raul, imperturbável -, mas desejo me aceite como seu amigo.
- Que irrisão! não existem amigos quando a miséria está conosco...
[...]
- Ignoro por que me entravam agora os passos. É inútil. Aliás, não sei a razão pela qual me contenho. .... Afinal, que fazem aqui estes cavalheiros silenciosos e estas mulheres mudas? que pretendem de mim?
- Estamos em prece por sua paz - falou Silva, com inflexão de bondade e carinho.
- Grande novidade" que há de comum entre nós? Devo-lhes algo?
- Pelo contrário - exclamou o interlocutor convicto -, nós somos quem lhe deve atenção e assistência. Estamos numa instituição de serviço fraterno e é fora de dúvida que, num hospital, a ninguém será licito inquirir da luta particular daqueles que lhe batem à porta, porque, antes de tudo, é dever da medicina e da enfermagem a prestação de socorro às feridas que sangram.
Ante o argumento enunciado com sinceridade e simpleza, o renitente sofredor pareceu apaziguar-se ainda mais. Jatos de energia mental, partidos de Silva, alcançavam-no agora em cheio, no tórax, como a lhe buscarem o coração.
Libórnio tentou falar, contudo, à maneira de um viajante que já não pode resistir à aridez do deserto, comoveu-se diante da ternura daquele inesperado acolhimento, surgir-lhe por abençoada fonte de água fresca. Surpreendido, notou que a palavra lhe falecia embargada na garganta.

Sob o sábio comando de Clementino, falou o doutrinador com afetividade ardente:
- Libórnio, meu irmão!

Estas três palavras foram pronunciadas com tamanha inflexão de generosidade fraternal que o hóspede não pode sopitar o pranto que lhe subia do âmago.
Raul avançou para ele, impondo-lhe as mãos, das quais jorrava luminoso fluxo magnético, e convidou:
- Vamos orar!
[...]

O visitante chorava.
Via-se, porém, que não eram as palavras a força que o convencia, mas sim o sentimento irradiante com que eram estruturadas.
Raul Silva, sob a destra radiosa de Clementino, afigurava-se-nos aureolado de intensa luz.
- Deus, que se passa comigo?!... - conseguia gritar Libórnio em lágrimas.
O irmão Clementino fez breve sinal a um dos assessores de nosso plano, que apressadamente acorreu, trazendo interessante peça que me pareceu uma tela de gaze tenuíssima, com dispositivos especiais, medindo por inteiro um metro quadrado, aproximadamente.
O mentor espiritual da reunião manobrou pequena chave num dos ângulos do aparelho e o tecido suave se cobriu de leve massa fluídica, branquicenta e vibrátil.
Em seguido, postou-se novamente ao pé de Silva, que, controlado por ele, disse ao comunicante:
- Lembre-se, meu amigo, lembre-se! Faça um apelo à memória! Veja à frente os quadros que se desenrolarão aos nossos olhos!...
De imediato, como se tivesse a atenção compulsoriamente atraída para a tela, o visitante, fixou-a e, desde esse momento, vimos com assombro que o retângulo sensibilizado exibia variadas cenas de que o próprio Libórnio era o principal protagonista. Recebendo-as mentalmente, Raul Silva passou a descrevê-la:
- Observe, meu amigo! É noite. Ouve-se passos um burburinho de algazarra a distância... Sua mãe velhinha chama-o à cabeceira e pede-lhe assistência ... Está exausta... Você é o filho que lhe resta... Derradeira esperança da flagelada vida. Único arrimo...A pobre sente morrer.... Declara-se receosa da solidão, de vez que é sábado de carnaval e os vizinhos se ausentaram na direção dos centros festivos.Parece uma criança atemorizada... Contempla-o, ansiosa, e roga-lhe que fique... Você responde que sairá tão somente por alguns minutos... o bastante para trazer-lhe a medicação necessária... Em seguida, avança, rápido, para uma gaveta situada em aposento próximo e apropria-se do único dinheiro de que a enferma dispõe, algumas centenas de cruzeiros, com que você se julga habilitado a desfrutas as falsas alegrias do seu clube...Amigos espirituais de seu lar abeiram-se de você, implorando socorro em favor da doente, quase moribunda, mas você se mostra impermeável a qualquer pensamento de compaixão... ...Por três dias e quatro noites consecutivos, entrega-se à loucura, com esquecimento de todas as obrigações...Somente na madrugada de quarta feira você volta estafado e semi-inconsciente... A velhinha socorrida por braços anônimos, não o reconhece mais... Aguarda, resignadamente, a morte enquanto você se encaminha para um quarto dos fundos, na expectativa de conseguir um banho que o auxilie a refazer-se... Abre o gás e senta-se por alguns minutos, experimentando a cabeça entontecida... O corpo exige descanso, depois da louca folia... A fadiga surge, insopitável... Desapercebe-se de si mesmo e dorme semi-embriagado, perdendo a existência, porque as emanações tóxicas lhe cadaverizaram o corpo... Na manhã clara de sol, um rabecão leva-o ao necrotério, como simples suicida.
[...]

O comunicante, vencido, caiu em lágrimas.
Tão grande lhe surgiu a crise emotiva que o mentor espiritual do grupo se apressou a desligá-lo do equipamento mediúnico, entregando-o aos vigilantes para que fosse convenientemente abrigado em organização próxima.
Libórnio, em fundo processo de transformação, afastou-se, tornando Eugênia à posição normal.
[...]
Que função desempenhava aquele retângulo que eu ainda não conhecia? que cenas eram aquelas que se haviam desdobrado célebres sob a nossa administração?

- Aquele aparelho - informou Áurus, gentil - é um "condensador ectoplásmico"....
[...]
Mas se estamos à frente de um condensador de forças - considerei -, precisamos concluir que o êxito do trabalho depende da colaboração de todos os componentes do grupo....
Exato - confirmou o Assistente -, as energias ectoplasmicas são fornecidas pelo conjunto dos companheiros encarnado, em favor de irmãos que ainda se encontram semimaterializados na faixas vibratórias da experiência física. Por isso mesmo, Silva e Clementino necessitam do concurso geral para que a máquina do serviço funcione tão harmoniosamente quanto seja possível. Pessoas que exteriorizem sentimentos menos dignos, equivalentes a princípios envenenados nascidos das viciações de variada espécie, perturbam enormemente as atividades dessa natureza, porquanto arrojam ao condensador as sombras de que se fazem veículo, prejudicando a eficiência da assembléia e impedindo a visão perfeita da tela por parte da entidade necessitada de compreensão e de luz.


QUESTÕES PARA O ESTUDO:

1 - Além da dedicação do guia espiritual Clementino, o que foi determinante em Raul para que Libórnio pudesse amenizar seu comportamento?

2 - Qual foi o elemento principal para que as palavras "Libórnio, meu irmão!", usadas por Raul, levasse Libórnio ao pranto?

3 - Que procedimento deve ter um doutrinador diante de um comportamento rebelde de um irmão obsessor?

4 - Podemos afirmar que Libórnio praticou o suicídio, como foi suposto pelos que acharam seu corpo inerte? Justifique.

5 - Que máquina foi utilizada por Clementino, com a ajuda de Raul, para que Libórnio tomasse conhecimento de seus últimos momentos da sua vida material? De que forma ela funciona?

6 - Qual é o fator importante para o êxito do seu funcionamento? Por que?


Conclusão

1 - Além da dedicação do guia espiritual Clementino, o que foi determinante em Raul para que Libórnio pudesse amenizar seu comportamento?
R: A sincera compaixão e o interesse fraternal. Estes são elementos fundamentais no auxílio a qualquer espírito - encarnado ou desencarnado - que esteja passando por momentos de sofrimento e dor. Aos dirigentes e esclarecedores nas reuniões mediúnicas, então, tornam-se imprescindíveis. A compaixão - entendida aqui como empatia, proximidade, verdadeiro exercício do amor ao próximo - permite uma aproximação e um entendimento mais amplo da dor do outro (mesmo quando esta dor se expressa em palavras rudes de revolta, como no caso de Libório). O interesse é o passo inicial para a atençao, que por sua vez é o requisito para estabelicimento da sintonia. Prestar atenção ao outro, com interesse real, ouvi-lo expressar-se, deixar que destile sua mágoa ou dor, é colaborar grandemente.

2 - Qual foi o elemento principal para que as palavras "Libórnio, meu irmão!", usadas por Raul, levasse Libórnio ao pranto?
R: Mais que as palavras, o importante é o sentimento que as gerou e que faz com que sejam carregadas de energia positiva. É fácil dizer "meu irmão", mas é difícil sentir verdadeiramente isto por um quase desconhecido. Apenas o exercício constante, metódico e disciplinado da fraternidade legítima, pode produzir os resultados alcançados por Raul.

3 - Que procedimento deve ter um doutrinador diante de um comportamento rebelde de um irmão obsessor?
R: Não só os doutrinadores - prefirimos o termo "esclarecedores" - mas qualquer é um de nós, devemos compreender que a rebeldia - geralmente expressa através de palavras grosseiras, violentas - esconde uma dor profunda, uma mágoa intensa, uma insatisfação grande, às vezes consigo mesmo. Entender isso é o primeiro passo para a compreensão, e a compreensão (que não deve ser confundida com aceitação) é o procedimento correto diante de um comportamento rebelde.

4 - Podemos afirmar que Libórnio praticou o suicídio, como foi suposto pelos que acharam seu corpo inerte? Justifique.
R: Sim, suicídio indireto, ou para usarmos o termo usado pelos espíritos da codificação (O Livro dos Espíritos, qst. 952, à qual remetemos os colegas de estudo), um suicídio moral. Lembremos que o próprio André Luiz foi categorizado como suicida. Naturalmente, as consequencias deste tipo de suicídio não se comparam com as do suicídio direto já que não há a _intenção_ de se matar, e os espíritos (LE 954) afirmam que não há culpabilidade quando não há intenção ou a consciência positiva de se fazer o mal. A responsabilidade é pelo mal uso do corpo físico, pelo desgaste prematuro das energias orgânicas, pelo comportamento auto-destrutivo.

5 - Que máquina foi utilizada por Clementino, com a ajuda de Raul, para que Libórnio tomasse conhecimento de seus últimos momentos da sua vida material? De que forma ela funciona?
R: O aparelho foi denominado por Áulus como sendo um "condensador ectoplasmático", ou seja condensa (torna mais denso, mais "material") o ectoplasma (que é a energia emitida pelos componentes encarnados da reunião, energia essa ainda em estudo). Os nomes variam (Áulus por exemplo também o chama de "raios de força"), mas o que obtemos do estudo de vários textos é que o ectoplasma é uma energia típica dos seres orgânicos, mais ou menos abundamente nos encarnados, e que, manipulada pelos espíritos técnicos do assunto, é usada principalmente em fenômenos de efeitos físicos. No caso em estudo, o ectoplasma foi usado para "materializar" o pensamento de Libório, a fim de refletir a projeção de suas lembranças. O aparelho funcionou à semelhança das telas de cinema, que recebem a projeção de luz dos filmes. Atentemos de que, induzido por Raul, é o próprio Libório que projeta seu conteúdo, que estava "oculto" ou "adormecido" em seu inconsciente, como mecanismo de defesa psicológica.

6 - Qual é o fator importante para o êxito do seu funcionamento? Por que?
R: Embora o ectoplasma seja uma energia "física", ela é extremamente sutil e sofre enorme influência do estado mental, físico e psicológico daquele que a irradia. Isto significa que os pensamentos aumentam ou diminuem a "qualidade" do material ectoplasmático emitido. Assim, a harmonia de pensamento da equipe de encarnados, bem como a exteriorização de seus sentimentos e comportamentos influencia no funcionamento do aparelho. Continuando a analogia da questão anterior, sentimentos menos dignos, vícios, falta de harmonia atuam como se a tela de cinema apresentasse furos, manchas, rasgos, movimentos aleatórios, que prejudicassem a projeção do filme.