Entre a Terra e o Céu

025 – Reconciliação

Amaro não registrou o convite da companheira desencarnada, em forma de
palavras ouvidas,
mas recebeu-o, como silencioso apelo à vida mental.

Dirigiu-se a pequenina copa, pensando em Zulmira, com insopitável
desejo de comunicar-lhe
o estranho contentamento de que se via possuído.

Não seria justo envolver a esposa doente na onda de alegria em que se
banhava ?

Vimos que Odila tremeu um instante, ao lhe observar a súbita
felicidade com a perspectiva
de restauração do carinho para com a segunda mulher. Compreendi o
esforço que a iniciativa lhe
reclamava ao coração feminino e, mais uma vez, reconheci que a morte do
corpo não exonera o
Espírito da obrigação de renovar-se. No fundo, não podia sentir, de
imediato, plena isenção de
ciúme, entretanto, aceitava o ideal de sublimação que se lhe implantara
no sentimento e não
parecia disposta a perder a oportunidade de reajuste.

(...)

- Prossigamos firmes. Todo bem que fizeres a Zulmira redundará em
favor de ti mesma. Não
esmoreças. Ajuda-te. A vontade, à procura do bem, realiza milagres em
nós mesmos. O sacrifício
é o preço da verdadeira felicidade.

(...)

Enlaçada ao marido, impeliu-o docemente ao leito em que a pobre doente
repousava.

A enferma, por certo, desde muito perdera o contacto com qualquer
manifestação afetiva
por parte do companheiro, e, assim, ao lhe ver o semblante carinhoso e
feliz, exibiu larga nota
de espanto.

- Zulmira ! - perguntou ele, inclinando-se para o seu rosto ossudo e
desconsolado - estás
realmente melhor ?

- Sim ... sim... - suspirou a interpelada, hesitante.

- Escuta ! Hoje, amanheci pensando em nós, em nossa felicidade... Não
julgas seja tempo
de reagirmos contra o sofrimento que nos cerca ? preocupo-me por ti,
acamada e abatida, desde a
morte de Júlio ...

Notei que o tórax de Amaro emanava largo fluxo de energia radiante,
assim como um jato
de raios de luz verde-prateada que envolveram o busto de Zulmira,
despertando-lhe emotividade
incoercível.

A desventurada senhora começou a chorar, dando-nos a impressão de que
os fluidos
arremessados sobre ela lhe lavavam o coração.

Clarêncio, calmo, informou:

- Como vemos, a sinceridade dispõe de recuros característicos. Emite
forças que não
deixam margens a enganos. O sentimento puro com que Amaro se dirige
agora à esposa é fator
decisivo para que ela se reerga e se cure.

O ferroviário, auxiliado por Odila, enxugou as lágrimas que corriam
copiosas daqueles
olhos macerados e tristes e continuou:

- Peço confies em mim ! afinal de contas, somos companheiros um do
outro ... como
poderei ser feliz sem teu concurso ? não nos casamos para chorar ...

- Amaro ! - exclamou a interlocutora agoniada, conservando ainda os
últimos resíduos
mentais do complexo de culpa em que se torturava - como te agradeço a
alegria desta hora !
Entretanto, a imagem de Júlio não me sai da lembrança ... Sinto que o
remorso me persegue. Não
fiz tudo o que eu devia para salvar o filhinho que me confiaste !...

- Esqueçamos o passado - asseverou o esposo, decidido -, todos
pertencemos a Deus e
acredito que a Divina Vontade vive conosco, em toda parte.
Indiscutivelmente Júlio nos faz muita
falta mas não podemos renunciar à vida que o Céu nos concedeu. É
imprescindível lutar,
procurando a vitória.

(...)

- Não olvides que pertencemos aos compromissos morais que assumimos

(...)

E, enquanto o esposo acomodava-se ao lado dela, vimos Odila, de
fisionomia satisfeita,
dirigir-se ao quarto da filha.

(...) Ela, porém, com inefável surpresa para nós, colocou a destra
sobre a fronte da
menina, solicitando-lhe a presença.

Findos alguns instantes, Evelina, em Espírito, voltou ao aposento em
que seu corpo
repousava.

Vendo a mãezinha, correu a abraçá-la.

Fundiram-se ambas num amplexo longo e comovedor, misturando-se as
lágrimas.

(...)

- Evelina, ajuda-nos ! Se não nos unirmos sob a luz da compreensão e
do trabalho, nossa
casa desaparecerá... Teu pai e eu não podemos dispensar-te o concurso.
Da saúde e da paz de
Zulmira depende a feliz continuação de nossa tarefa... Deus não nos
reúne para a indiferença
ou para o egoísmo e sim para o serviço salutar de uns pelos outros !...


- Mãezinha - explicou a jovem extática -, tenho orado, tenho pedido ao
seu coração nos
auxilie...

- Sim, Evelina, sei que em tua abnegação não te decuidas da prece.
Jesus terá recebido
teus rogos... Achava-me surda, vitimada pelo ruído destruidor da minha
própria incompreensão.
Sinto, porém, que minhalma desperta hoje... e vejo que nos compete algo
fazer 0para restaurar
o valor de teu pai e a alegria de nossa casa...

- Continuarei orando ...

- Não olvides a prece, querida, mas a súplica que não age pode ser uma
flor sem perfume.
Peçamos o socorro do Senhor, algo realizando para contribuir em seu
apostolado divino...
Comecemos por refundir a confiança em tua nova mãe. Faze-te melhor para
ela... Procura-a,
desdobra-te no trabalho da preservação da tranquilidade doméstica, a
fim de que Zulmira se veja
segura de teu afeto e de teu entendimento filial... Uma rosa sobre a
mesa, uma vassoura diligente,
uma peça de roupa cuidadosamente guardada, uma escova no lugar que lhe
compete, são serviços de
Jesus, no santuário da família, com os quais devemos valorizar o
pensamento religioso... Não te
detenhas somente nas boas intenções. Movimenta-te no trabalho
encorajador da harmonia. Sê o anjo
do serviço em nossa casinha singela! Zulmira necessita de uma irmã e de
uma filha!... Aproveita a
oportunidade e faze o melhor!...

Evelina, com indefinível contentamento a iluminar-lhe o rosto, enlaçou
a mãezinha com
extrema ternura e beijou-a, muitas vezes.

Logo após, passando a obedecer à mensageira, retomou o corpo carnal e
acordou
deslumbrada.

Tão grande se lhe afigurava a própria ventura que detinha a impressão
de estar descendo
da esfera celestial.

A imagem de Odila, carinhosa e bela, ocupava-lhe agora, todo o espelho
da mente.

(...)

Intensamente feliz, ergueu-se de um salto e vestiu-se.

Finda a higiene rápida, vimos Odila recolhê-la nos braços,
conduzindo-a igualmente a
Zulmira.

Induzida pela influência materna, passou pela copa e chegou junto da
madrasta,
oferecendo-lhe pequena bandeja com aleve refeição da manhã.

Amaro e a companheira receberam-na, encantados.

- Meu Deus - disse a doente, sorrindo -, tenho a impressão de que um
anjo penetrou nossa
casa. Tudo hoje amanheceu contentamento e bom ânimo!...

Evelina alcançou o leito, reuniu os dois cônjuges num só abraço e
falou, jubilosa:

- Sonhei com a Mãezinha! Vi-a tão nítida, como se ainda estivesse
conosco. Afirmou que
necessitamos de amor e recomendou seja eu para Zulmira a filha que ela
não tem!... Ah! que
felicidade!... Mamãe ouviu minhas preces!

O ferroviário anotou, satisfeito, a informação, guardando, porém,
consigo mesmo as
recordações da noite para não ferir as suscetibilidades da companheira,
e Zulmira, a seu turno,
embora lembrasse os repetidos pesadelos que atravessara, sentindo-se
atormentada pelos ciúmes de
Odila, abafou as próprias reminiscências, para aderir com toda a alma
ao otimismo daquele
abençoado momento de paz e renovação.

Fixando a madrasta, com embevecimento, a menina acrescentou:

- Quero ser melhor, mais diligente e mais amiga!... Papai, você e eu
seremos doravante
mais felizes.

A pobre senhora suspirou reconfortada e aduziu:

- Sem dúvida alguma, Odila deve ser o nosso gênio protetor... É muita
alegria nesta
manhã para que a nossa ventira seja simples sonho ou mera coincidência!

Aquele testemunho de gratidão, partido com a melhor espontaneidade da
mulher considerada,
até então, por inimiga, tocou as recônditas fibras da primeira esposa
de Amaro que, incapaz de
suportar a emoção, começou a chorar entre o reconhecimento e o
regozijo.

Irmã Clara abraçou-a e falou, humilde:

- Chora, minha filha! Chora de júbilo! Em verdade, quando o amor
sublime penetra em nosso
coração, a luz do Senhor passa a reger os passos de nossa vida.




Questões para estudo:


1. Ao analisar o trecho "Notei que o tórax de Amaro emanava largo fluxo
de energia radiante, assim como um jato
de raios de luz verde-prateada que envolveram o busto de Zulmira,
despertando-lhe emotividade
incoercível.", cabe uma questão: qual a importância do controle de
nossos sentimentos, uma vez
que via de regra emitimos fluídos a nosso próximo ?


2. Julio deu uma mostra de como devemos perdoar nosso próximo ao
comentar o sentimento de remorso
de Zulmira. De que forma então devemos perdoar ?


3. Comente os trechos em que Odila se dirige a sua filha:
a)"Não olvides a prece, querida, mas a súplica que não age pode ser uma
flor sem perfume.";
b)"Uma rosa sobre a mesa, uma vassoura diligente, uma peça de roupa
cuidadosamente guardada, uma
escova no lugar que lhe compete, são serviços de Jesus, no santuário da
família, com os quais
devemos valorizar o pensamento religioso..."


4. Qual a importância da reconciliação em nossas vidas ?




Conclusão

1.- Ao analisar o trecho "Notei que o tórax de Amaro emanava largo fluxo de energia radiante, assim como um jato de
raios de luz verde-prateada que envolveram o busto de Zulmira, despertando-lhe emotividade incoercível.", cabe uma
questão: qual a importância do controle de nossos sentimentos, uma vez que, via de regra, emitimos fluídos para o
nosso próximo?

Os nossos sentimentos, assim como os pensamentos, materializam-se e ganham o espaço através do fluido cósmico
universal. Assim como o som é conduzido por esse fluido, da mesma forma o sentimento que emitimos também o é.
É uma força energética, que atua sobre o nosso próximo através de seu perispírito. Como sabemos, o perispírito é
composto de matéria extraído do fluido cósmico universal e, sendo constituído de matéria da mesma natureza que
este, capta tudo o que por ele é conduzido, assimila e transmite ao espírito.

Dessa forma, a nossa responsabilidade pela qualidade da energia que transmitimos ao nosso próximo é grande e gera
conseqüências em nós mesmos, por força da lei de ação e reação. Daí a importância de emitirmos sempre bons
sentimentos, para que o retorno sobre nós seja igualmente saudável.


2.- Amaro deu uma mostra de como devemos perdoar nosso próximo, ao comentar o sentimento de remorso de Zulmira.
De que forma, então, devemos perdoar?

Ao ser indagado por Pedro se, quando um irmão pecar contra nós, devemos perdoar até sete vezes, Jesus respondeu-
-lhe que devemos perdoar não sete vezes, mas até setenta vezes sete.A lição que podemos tirar desse ensinamento é
de que o Mestre recomendou que perdoássemos sempre, irrestrita e incondicionalmente.

Quando se perdoa ou se roga o perdão, aquele que assim age se libera de um elo malévolo que o liga ao desafeto,
libertando-se da influência negativa. Toda a carga magnética provocada pelos sentimentos negativos fica agindo apenas
apenas sobre o que não quis ou não soube perdoar ou ser perdoado. Agindo conforme o ensinamento do Cristo,
estaremos conscientes de que nos libertamos daquele laço fluídico deletério.


3.- Comente os trechos em que Odila se dirige à sua filha:

a) "Não olvides a prece, querida, mas a súplica que não age pode ser uma flor sem perfume.";

" Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa
fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano,
e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas
necessárias para o corpo, que proveito há nisso?
Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma. " (Tiago, 2.14-17)

Como diz a passagem evangélica, a fé sem obras é morta. É importante que tenhamos fé. Mas tão importante quanto
a fé é a prática da caridade. No trecho citado, Odila recomenda à filha que ore pela ex-obsediada mas que também não
deixe de ser benevolente para com ela, que a auxilie, material e espiritualmente. Agora com sentimentos renovados, a
ex-obsessora procura intuir a filha para o desejo do trabalho em socorro de Zulmira, favorecendo a harmonia doméstica
que a auxiliará em sua recuperação física.

b) "Uma rosa sobre a mesa, uma vassoura diligente, uma peça de roupa cuidadosamente guardada, uma escova no
lugar que lhe compete, são serviços de Jesus, no santuário da família, com os quais devemos valorizar o pensamento religioso..."

São exemplos de gestos simples mas que traduzem a verdadeira caridade. Aproveitando-se da emancipação espiritual
de Etelvina durante o sono do corpo físico, Odila a aconselha a trabalhar pela recuperação de Zulmira, mostrando-lhe
que pequenas e singelas atitudes pode se tornar importantes em momentos como aquele que vivenciavam.


4.- Qual a importância da reconciliação em nossas vidas?

Quando se cria uma desavença ou uma situação de discórdia para com um irmão, independentemente de quem foi o
causador, um elo fluídico é formado entre os espíritos envolvidos na relação conflituosa, que os prende, um ao outro,
numa permanente troca de energias negativas. Enquanto não se reconciliam e alimentam a animosidade, essa troca
de energias negativas perdura, repercutindo em ambos.

Hoje, a Ciência já comprova que o estado emocional ocasionado por circunstâncias como essas podem gerar um
número grande de doenças, não apenas psicológicas mas, até, no organismo físico, como tumores, doenças
cardíacas, etc. Isto porque o nosso corpo físico somatiza o desequilíbrio espiritual resultante da instabilidade
emocional provocada pela desavença.

A questão da reconciliação é tão importante que Jesus a recomendou expressamente aos seus discípulos, conforme
passagem do Sermão da Montanha narrada por Mateus:

"Se estiveres ao altar fazer a tua oferta e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
deixa ali diante do altar a tua oferta e vai conciliar-te primeiro com teu irmão. Depois, então, vem e faze
a tua oferta. Reconcilia-te depressa com o teu adversário enquanto estás no caminho com ele; para que
não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça e sejas lançado na prisão.
Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil."