O Mundo Maior
019 – Reaproximação
"Quando Cipriana regressou, em companhia dos demais amigos, encontrou-me banhado em lágrimas, e ouviu a estranha narrativa de meu avô semilúcido. Esboçou complacente gesto e disse, bondosa:
_ Sabia, André, que não terias vindo para nenhum resultado.
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_ Não podemos esquecer - acentuou a venerável instrutora - que o irmão Cláudio precisa de tratamento e de cuidado. É impossível prever quando se achará em condições de respirar atmosfera mais elevada.
Assim dizendo, generosa e meiga, auscultou o velhinho semilouco, examinado-o maternalmente.
Decorridos alguns instantes, informou:
_ André, nosso enfermo, para melhorar com mais rapidez e eficiência, deveria retornar à experiência carnal.
_ Neste caso, então, - disse eu, humilde - poderíamos merecer seu auxílio, Irmã?
_ Como não? Em se tratando de reencarnação por meras atividades reparadoras, sem projeção nos interesses coletivos, de modo mais amplo, nosso concurso pessoal pode ser mais decisivo e imediato. Temos nesses sítios grande número de benfeitores providenciando reencarnações em grande escala nos círculos regenerativos. Vejamos como estudar a situação futura deste irmão.
Submeteu o doente a carinhoso interrogatório.
O ancião, comovido, contou que seu genitor, ao se casar, conduziu para o lar uma filha de sua mocidade turbulenta, a qual a mãezinha acolhera com doçura. Essa irmã lhe fora, mais tarde, ama desvelada, tornando-se-lhe credora de justa gratidão. Todavia, enceguecido pelo propósito inferior de possuir dinheiro desmedidamente, despojou-a dos bens que lhe cabiam, por ocasião do falecimento dos pais, que, vitimados por febre maligna, o haviam deixado em vésperas de casamento. Ismênia, espoliada, depois de chorar e reclamar debalde, foi compelida a homiziar-se em residência de família abastada, que lhe cedeu, por favor, um lugar de copeira, com remuneração desprezível. Soube que, premida por dificuldades materiais de toda a sorte, desposara um analfabeto, homem rude e cruel, que a seviciara e lhe dera algumas filhas em dolorosas condições de miserabilidade. Exposto o desvio máximo de seu caminho, passou a comentar os indignos ideais que nutria no terreno da sovinice, estremecendo-nos os corações.
Cipriana, demonstrando-se habituada aos problemas daquela natureza, esclareceu-me:
_ Já conhecemos dois pontos essenciais para os serviços que lhe competem: a necessidade da reaproximação com Ismênia, que não sabemos onde se encontra, se encarnada ou não, e o imperativo da pobreza extrema, com trabalho intensivo, para que reeduque as próprias aspirações.
......
Cercando de todas as atenções meu antigo credor, a estimada benfeitora frisou, dirigindo-se a mim:
_ Nosso amigo, durante dois anos, aproximadamente, não poderá ausentar-se desta casa de assitência fraterna. Permanece ainda profundamente identidicado com a atmosfera destes sítios. Visitá-lo-emos seguidamente, amparando-o com os nossos recursos, até que possa respirar de novo os ares da Crosta. É de notar que a mente dele não se libertará das teias da incompreensão com facilidade, e, neste estado, não volveria com êxito ao educandário da carne.
......
_ Agora, André, finalizando nossos trabalhos da semana, tentemos trazer Ismênia até aqui, para os trabalhos preparatórios de reaproximação. Achando-se presentemente na juventude terrestre, provavelmente nos auxiliará no momento preciso, recebendo o irmão perturbado em seu próprio insituto doméstico. Antes de mais nada, porém, necessitamos da simpatia dela, em face do nosso programa de reerguimento.
_ Se Ismênia aceitar, se consentir... - acrescentei, hesitante.
_ Encarregar-nos-emos do resto - prometeu a interlocutora, decidida - ; o retorna de Cláudio à esfera física terá caracterísiticos muito pessoais, sem reflexos de maior importância no espírito coletivo, pelo que nós mesmos pederemos providenciar quase tudo.
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Em plena madrugada, entramos, respeitosos, na humilde residência.
A irmã de meu avô era agora a sexta filha daquela senhora que, na existência física, era conhecida por neta da velha Ismênia.....
Adiantando-se, Cipriana colocou a destra sobre a fronte da jovem adormecida, como à chamá-la até nós.......
_ Precisamos de tua colaboração e não desejamos ser amigos inúteis. Em que te podemos servir?
......
_ Minha mãe, se eu puder rogar-vos alguma coisa, peço-vos auxílio para Nicanor. Somos noivos, há quase dois anos, mas somos pobres. Trabalho na indústria de tecelagem, com salário reduzido, para ajudar à manutenção de nossa casa, e Nicanor é pedreiro....Temos sonhado com a organização de um lar pequeno e modesto, sob a proteção da Divina Providência. Poderemos aguardar a aprovação de Deus?
Cipriana estampou na fisionomia suma ternura materna e considerou:
_ Como não? Teus desejos são justos e santificantes. Nicanor terá nosso amparo, e tuas esperanças nossa viva contribuição. Esperamos, porém, algo de teu concurso....
_Ah! em que poderia servir-vos, eu, mísera serva que sou?
A diretora não prolongou a conversação, pedindo-lhe tão somente:
_ Vem conosco!
......
Ela conservou-o muito tempo de encontro ao peito, fazendo-lhe sentir sua imensa ternura, sua dedicação e entendimento sem limites.
Quando pareciam perfeitamente reconciliados, Cipriana abeirou-se dela e considerou:
_ Minha amiga, estimaríamos receber a tua promessa de auxiliar noso irmão Cláudio, em futuro próximo. Cooperarás conosco em favor dele, recebendo-o nos braços abnegados de mãe, se a Lei Divina autorizar teu matrimônio?
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_ Se o céu me conceder a felicidade de com algo contribuir em benefício de Cláudio, esse benefício será feito à mim mesma;........
_ Bem-aventurada sejas tu, querida filha, que compreende conosco o celestial ministério da mulher nobre, sempre disposta à maternidade sublime.
.....
Quem poderia definir-nos o reconhecimento e a admiração naquela hora? Meus companheiros abençoaram-na, e eu, por minha vez, despedi-me dela comovidamente, osculei-lhe a destra minúscula, num beijo silencioso de profunda amizade e de indizível gratidão."
Questões para estudo e reflexão
1 - Quando Cipriana diz: "Sabia, André, que não terias vindo para nenhum resultado", fica mais claro a afirmativa de que o acaso não existe: todos estamos onde estamos, quando estamos e com quem estamos porque algo há que possamos fazer de favor do progresso, nosso e dos que nos cercam. Como então, podemos realizar esse progresso em todos os instantes?
2 - O estado em que se encontra Claúdio, o avô de André Luiz, é de uma grande fixação mental. em função disso, Cipriana afirma que: "Permanece ainda profundamente identificado com a atmosfera destes sítios.":
a) À quais sítios se referia a Irmã?
b) Como fazer para melhorar a situação mental?
c) Que aprendizado podemos tirar para nós do entendimento advindo desse conhecimento?
3 - "Se o Céu me conceder a felicidade de com algo contribuir em benefício de Claúdio, esse benefício será feito à mim mesma;"
Ismênia, aqui, nos deixa entender que, cada vez que auxiliamos à alguém, na realidade é a nós mesmos que estamos ajudando. Justifique.
4 - "Bem-aventurada sejas tu, querida filha, que compreendes conosco o celestial ministério da mulher nobre, sempre disposta à maternidade sublime."
Com o conhecimento que a Doutrina Espírita nos proporciona, podemos entrever melhor as reais funções de enobrecimento que nos proporcionam os estágios em corpos masculinos e femininos, pela diversidade de experiências que nos proporcionam. O que seria, então, o "ministério da mulher nobre"?
5 - Neste capítulo, André Luiz nos proporciona refletirmos sobre a importância do reajuste ensejado pela reaproximação de desafetos através dos laços da reencarnação, reajuste esse que exige, principalmente, perdão, amor e abnegação. O que podemos comentar a esse respeito?
Bibliografia:
No Mundo Maior - leitura completa do capítulo 19
Missionários da Luz - Capítulo Reencarnação
Memórias de um Suicida
O Livro dos Espíritos
O Evangelho Segundo o Espiritismo
Conclusão