O Mundo Maior
010 – Dolorosa perda
Nesse capítulo, André Luiz nos narra o trabalho intercessório realizado por
ele e pelo assistente Calderaro visando evitar a consumação de aborto prestes a se
concretizar.
A mãe e o futuro filho foram protagonistas de reprováveis acontecimentos do
passado cujas conseqüências negativas ainda repercutia em ambos. Cecília, a mãe,
recusava-se, obstinadamente, a receber o antigo parceiro como filho. Este, por sua vez,
lutava desesperadamente pelo direito de retornar à carne para resgate.
Resumo do Capítulo
" Dentro da noite, defrontamos com aflito coração materno. A entidade, que nos dirigia
a palavra, infundia compaixão pela facies de horrível sofrimento:
- Calderaro! Calderaro! - rogou, ansiosa - ampara minha filha, minha desventurada
filha! "
" Interessando-me no assunto, o atencioso Assistente sumariou o fato.
- Trata-se de lamentável ocorrência - explicou-me, bondoso -, na qual figuram a
leviandade e o ódio como elementos perversores. A irmã que se despediu, há momentos,
deixou uma filha na Crosta Planetária, há oito anos. Criada com mimos excessivos, a
jovem desenvolveu-se na ignorância do trabalho e da responsabilidade, não obstante
pertencer a nobilíssimo quadro social. Filha única, entregue desde muito cedo ao capricho,
pernicioso, tão logo se achou sem a materna assistência no plano carnal, dominou
governantes, subornou criadas, burlou a vigilância paterna e, cercada de facilidades
materiais, precipitou-se, aos vinte anos, nos desvarios da vida mundana. ..."
" ... Sem a proteção espiritual peculiar à pobreza, sem os abençoados estímulos dos
obstáculos materiais, e tendo, contra as suas necessidades íntimas, a profunda beleza
transitória do rosto, a pobrezinha renasceu, seguida de perto, não por um inimigo
propriamente dito, mas por cúmplice de faltas graves, desde muito desencarnado, ao qual
se vinculara por tremendos laços ódio, em passado próximo. Foi assim que, abusando
da liberdade, em ociosidade reprovável, adquiriu deveres da maternidade sem a custódia
do casamento. Reconhecendo-se agora nesta situação, aos vinte e cinco anos, solteira,
rica e prestigiada pelo nome da família, deplora tardiamente os compromissos assumidos
e luta, com desespero, por desfazer-se do filhinho imaturo, o mesmo comparsa do pretérito
a que me referi; esse infeliz, por "acréscimo de misericórdia divina", busca destarte
aproveitar o erro da ex-companheira para a realização de algum serviço redentor, com
a supervisão dos nossos Maiores. ..."
" Decorridos alguns instantes, penetrávamos aposento confortável e perfumado.
Estirada no leito, jovem mulher debatia-se em convulsões atrozes. Ao seu lado,
achavam-se a entidade materna, na esfera invisível aos olhos carnais, e uma enfermeira
terrestre, dessas que, à força de presenciar catástrofes biológicas e dramas morais, se
tornam menos sensíveis à dor alheia.
A genitora da enferma adiantou-se e informou-nos:
- A situação é muito grave! ajudem-na, por piedade! Minha presença aqui se limita a
impedir o acesso de elementos perturbadores que prosseguem, implacáveis, em ronda
sinistra."
" O quadro era horrível de ver-se.
Buscando sintonizar-me com a enferma, ouvia-lhe as afirmativas cruéis, no campo do
pensamento:
- Odeio!... odeio este filho intruso que não pedi à vida!... Expulsá-lo-ei!...
A mente do filhinho, em processo de reencarnação, como se fora violentada num sono
brando, suplicava, chorosa:
- Poupa-me! poupa-me! quero acordar no trabalho! quero viver e reajustar o destino...
ajuda-me! resgatarei minha dívida!... pagar-te-ei com amor... não me expulses! tem
caridade!...
- Nunca! nunca! amaldiçoado sejas! - dizia a desventurada, mentalmente -; prefiro
morrer a receber-te nos braços! Envenenas-me a vida, perturbas-me a estrada! detesto-te!
morrerás!..."
" Parcialmente desligada do corpo físico, em compulsória modorra, pela atuação
calmante do remédio, Calderaro aplicou-lhe fluidos magnéticos sobre o disco foto-sensível
do aparelho visual, e Cecília passou a ver-nos, embora imperfeitamente, detendo-se,
admirada, na contemplação da genitora. ...
- Filha querida, venho a ti, para que te não abalances à sinistra aventura que planejas.
Reconsidera a atitude mental e harmoniza-te com a vida. Recebe minhas lágrimas, como
apelo do coração. Por piedade, ouve-me! não te precipites nas trevas, quando a mão
divina te abre as portas da luz. Nunca é tarde para recomeçar, Cecília, e Deus, em seu
infinito devotamento, transforma as nossas faltas em redes de salvação."
" A enferma, contudo, fez supremo esforço por tornar ao invólucro de carne, pronunciando
ríspidas palavras de negação, inopinadas e ingratas. ...
- Não posso! não posso mais! não suporto... A intervenção, agora! não quero perder
um minuto!
Fixando a companheira, por alguns instantes, com terrífica expressão, ajuntou:
- Tive um pesadelo horrível... Sonhei que minha mãe voltava da morte e me pedia
paciência e caridade! Não, não! ... Irei até ao fim! Preferirei o suicídio, afinal!"
" ... E, com assombro nosso, ante a genitora desencarnada, em pranto, a operação
começou, com sinistros prognósticos para nós, que observamos a na, sensibilizadíssimos...
Penosamente surpreendido, prossegui no exame da situação, verificando com espanto
que o embrião reagia ao ser violentado, como que aderindo, desesperadamente, às
paredes placentárias.
A mente do filhinho imaturo começou a despertar à medida que aumentava o esforço de
extração. Os raios escuros não partiam agora só do encéfalo materno; eram igualmente
emitidos pela organização embrionária, estabelecendo maior desarmonia.
Depois de longo e laborioso trabalho, o entezinho foi retirado afinal...
Assombrado, reparei, todavia, que a ginecologista improvisada subtraía ao vaso feminino
somente pequena porção de carne inânime, porque a entidade reencarnante, como se a
mantivessem atraída ao corpo materno forças vigorosas e indefiníveis, oferecia condições
especialíssimas, adesa ao campo celular que a expulsava. Semidesperta, num atro
pesadelo de sofrimento, refletia extremo desespero; lamentava-se com gritos aflitivos;
expedia vibrações mortíferas; balbuciava frases desconexas."
" Ambos, mãe e filho, pareciam agora, por dizer mais exatamente, sintonizados na onda
de ódio, porque a mente dele, exibindo estranha forma de apresentação aos meus olhos,
respondia, no aug da ira:
- Vingar-me-ei! Pagarás ceitil por ceitil! não te perdoarei!... Não me deixaste retomar a
luta terrena, onde a dor, que nos seria comum, me ensinaria a desculpar-te, pelo passado
delituoso e a esquecer minhas cruciantes mágoas... Renegaste a prova que nos conduziria
ao altar da reconciliação. ... Condenaste-me à morte, e, por isso, minha sentença é
igual. ... Vingar-me-ei! Seguirás comigo!
Os raios mentais destruidores cruzavam-se, em horrendo quadro, de espírito a espírito."
" Em seguida, o Assistente convidou-me a sair, acrescentando":
- Verificar-se-á a desencarnação dentro de algumas horas. Ó ódio, André, diariamente
extermina criaturas no mundo, com intensidade e eficiência mais arrasadoras que as de
todos os canhões da Terra troando a uma vez. ... Estabelecido o império de forças tão
detestáveis sobre essas duas almas desequilibradas, que a Providência procurou reunir no
instituto da reencarnação, é necessário confiá-las doravante ao tempo, a fim de que a dor
opere os corretivos indispensáveis."
" - Agora, nada vale a intervenção direta. Só poderemos cooperar com a oração do amor
fraterno, aliada à função renovadora da luta cotidiana. Consumou-se para ambos doloroso
processo de obsessão recíproca, de amargas conseqüências no espaço e no tempo, e cuja extensão nenhum de nós pode prever."
QUESTÕES PARA ESTUDO E PARTICIPAÇÃO:
1) Como analisar, à luz do livre-arbítrio previsto na Lei de Liberdade, o procedimento de
Cecília, personagem principal desse capítulo?
2) Podemos identificar no caso a ocorrência de um processo obsessivo?
3) Como a Doutrina Espírita explica a reação do espírito reencarnante ante a iminência
da consumação do aborto?
4) Quais os meios que a Lei Divina dispõe para corrigir os danos causados a eles próprios
pelos dois espíritos desafetos?
Conclusão
Esse é mais um capítulo rico em ensinamentos que André Luiz nos traz do
plano espiritual.
Nele, vimos como o mau uso do livre-arbítrio pode causar o atraso na evolução
do espírito, com sofrimentos dolorosos e repercussões no plano espiritual e em existências corporais futuras.
Vimos a que conseqüências a prática do aborto pode levar, tanto para a futura
mãe que faz essa opção como para o espírito que vê a oportunidade reencarnatória frustrada.
Vimos exemplos, também, do que é capaz um processo obsessivo gerado por
um comportamento contrário às Leis Naturais.
QUESTÕES PARA ESTUDO E PARTICIPAÇÃO:
1) Como analisar, à luz do livre-arbítrio previsto na Lei de Liberdade, o procedimento de
Cecília, personagem principal desse capítulo?
Em "O Livro dos Espíritos", Kardec tratou da questão do livre-arbítrio no capítulo X,
da parte 3a., que compreende a Lei de Liberdade. Sem o livre-arbítrio, dizem os Espíritos,
o homem seria máquina (questão 843).
No caso em estudo, Cecília exerceu o seu livre-arbítrio ao optar pelo aborto. Ao invés
de aproveitar a oportunidade que se lhe apresentou de propiciar a reencarnação de um
antigo parceiro em existência pretérita, que necessitava retornar para uma experiência que
poderia ser redentora para ambos, optou pela saída da interrupção forçada da gestação.
Era a opção que lhe permitiria prosseguir na forma de vida que escolheu, priorizando os
prazeres da matéria, a sexualidade, o orgulho e a vaidade.
O caso de Cecília pode ser tomado como exemplo de mau uso do livre-arbítrio que Deus
nos dotou. E da conseqüência do mau uso do livre-arbítrio ninguém pode se eximir. As
nossas predisposições instintivas, trazidas do nosso estágio, enquanto princípio inteligente,
no reino animal; a influência do organismo físico, quando encarnados no reino hominal; a
posição social que ocupamos, nada serve como justificativa para o mau uso do livre-arbítrio.
Nem mesmo a influência de um processo obsessivo, como no caso, poderá justificá-lo.
Todos esses fatores podem influir nas nossas decisões. Mas não impedem que exerçamos
livremente o direito de escolher o caminho a seguir. A opção final, portanto, é sempre do ser pensante, ou seja, do espírito encarnado, por isso que da sua conseqüência, resultante da
lei de causa e efeito, não poderá ele fugir.
2) Podemos identificar no caso a ocorrência de um processo obsessivo?
Sem dúvida, Cecília conviveu durante a sua passagem pela matéria com a obsessão
de espíritos perturbadores. Sua mãe, desencarnada, procurou evitar essa influência negativa
sobre a filha. Com ela desdobrada do corpo físico, foi ao seu encontro para alertá-la do erro
que estava prestes a cometer. Em vão. A filha perseverou na intenção equivocada até a
consumação do ato.
Essa opção, veio desencadear um novo e violento processo obsessivo, desta vez por
parte do espírito impedido de reencarnar. Sua reação foi de tal forma violenta e eivada de
ódio, emitindo raios destruidores que atingiam o psiquismo materno, que provocou uma
hemorragia no útero da ex-futura mãe, levando-a à desencarnação.
Podemos, portanto, identificar no caso narrado por André Luiz a ocorrência de processo
obsessivo em duas ocasiões: primeiro, por parte de entidades perturbadoras, que exerceram
influência sobre Cecília, levando-a a optar por uma forma de vida contrária à Lei Natural e
ao ato que lhe foi fatal; depois, por parte do espírito desligado do feto em gestação pelo
aborto voluntário, que dela se vingou ao lhe causar danos físicos que a fizeram desencarnar.
3) Como a Doutrina Espírita explica a reação do espírito reencarnante ante a iminência
da consumação do aborto?
A reação do espírito reencarnante pode se explicar pelo fato de já estar ele ligado ao
novo corpo em formação. Como ensinam os Espíritos, desde a concepção, um laço fluídico
ainda tênue liga o espírito ao novo corpo, vínculo esse que vai se estreitando à medida que
vai se aproximando o instante eu que a criança virá a luz (questão 344 do Livro dos Espíritos).
O espírito cujo feto foi expelido, preparou-se durante anos, no plano espiritual, para voltar
numa nova experiência na carne; programou a forma de vida que levaria, com as provas por
que teria que passar; passou por todo o processo de perturbação natural nessa circunstância
e, ao final, viu frustrado seu necessário retorno.
Como era um espírito ainda muito imperfeito, pouco evoluído, provavelmente, tanto que a reencarnação objetivava a reparação de erros do passado, não soube compreender e perdoar
o comportamento daquela que viria lhe proporcionar o novo corpo.
4) Quais os meios que a Lei Divina dispõe para corrigir os danos causados a eles próprios
pelos dois espíritos desafetos?
Agora, depois de todo esse drama de equívocos, em que os dois espíritos desafetos
retornaram ao plano espiritual entrelaçados numa troca de raios mentais destruidores, só
lhes resta buscarem o reequilíbrio através do perdão mútuo e se prepararem para uma nova
vivência física, em que expiarão as agressões cometidas contra a Lei de Deus. Os benfeitores
espirituais, por certo, não os deixarão ao abandono e se encarregarão de orientá-los, desde
que manifestem o arrependimento e o desejo da reparação. Para situações como essa,
somente existe um remédio: REENCARNAÇÃO.