A Gênese

110 – Tempestade aplacada - Bodas de Caná (itens 45 a 47)

Tempestade aplacada

45.- Certo dia, tendo tomado uma barca com seus discípulos, disse-lhes ele: Passemos à outra margem do
lago. Partiram então. Durante a travessia, ele adormeceu. - Então, um grande turbilhão de vento se abateu
de súbito sobre o lago, de sorte que, enchendo-se dágua a barca, eles se viam em perigo. Aproximaram-se,
pois, dele e o despertaram, dizendo-lhe: Mestre, perecemos. Jesus, levantando-se, falou, ameaçador, aos
ventos e às ondas agitadas e uns e outras se aplacaram, sobrevindo grande calma. Ele então lhes disse:
Onde esta a vossa fé? Eles, porém, cheios de temor e admiração, perguntavam uns aos outros: Quem é este
que assim dá ordens ao vento e às ondas, e eles lhe obedecem? (São Lucas, cap. VIII, vv. 22 a 25.)

46.- Ainda não conhecemos bastante os segredos da Natureza para dizer se há ou não inteligências ocultas presidindo
à ação dos elementos. Na hipótese de haver, o fenômeno em questão poderia ter resultado de um ato de autoridade
sobre essas inteligências e provaria um poder que a nenhum homem é dado exercer.

Como quer que seja, o fato de estar Jesus a dormir tranqüilamente, durante a tempestade, atesta de sua parte uma
segurança que se pode explicar pela circunstância de que seu Espírito via não haver perigo nenhum e que a tempestade
ia amainar.

Bodas de Caná

47.- Este milagre, referido unicamente no Evangelho de S. João, é apresentado como o primeiro que Jesus operou e
nessas condições, devera ter sido um dos mais notados. Entretanto, bem fraca impressão parece haver produzido, pois
que nenhum outro evangelista dele trata. Fato não extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os
convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o perceberam.

Considerado em si mesmo, pouca importância tem o fato, em comparação com os que, verdadeiramente, atestam as
qualidades espirituais de Jesus. Admitido que as coisas hajam ocorrido, conforme foram narradas, e de notar-se seja
esse, de tal gênero, o único fenômeno que se tenha produzido. Jesus era de natureza extremamente elevada, para se
ater a efeitos puramente materiais, próprios apenas a aguçar a curiosidade da multidão que, então, o teria nivelado a
um mágico. Ele sabia que as coisas úteis lhe conquistariam mais simpatias e lhe granjeariam mais adeptos, do que as
que facilmente passariam por fruto de grande habilidade e destreza (nº 27).

Se bem que, a rigor, o fato se possa explicar, até certo ponto, por uma ação fluídica que houvesse, como o magnetismo
oferece muitos exemplos, mudado as propriedades da água, dando-lhe o sabor do vinho, pouco provável é se tenha
verificado semelhante hipótese, dado que, em tal caso, a água, tendo do vinho unicamente o sabor, houvera conservado
a sua coloração, o que não deixaria de ser notado. Mais racional é se reconheça aí unia daquelas parábolas tão
freqüentes nos ensinos de Jesus, como a do filho pródigo, a do festim de bodas, do mau rico, da figueira que secou e
tantas outras que, todavia, se apresentam com caráter de fatos ocorridos. Provavelmente, durante o repasto, terá ele
aludido ao vinho e à água, tirando de ambos um ensinamento. Justificam esta opinião as palavras que a respeito lhe
dirige o mordomo: «Toda gente serve em primeiro lugar o vinho bom e, depois que todos o têm bebido muito, serve o
menos fino; tu, porém, guardas até agora o bom vinho.»

Entre duas hipóteses, deve-se preferir a mais racional e os espíritas não são tão crédulos que por toda parte vejam manifestações, nem tão absolutos em suas opiniões, que pretendam explicar tudo por meio dos fluidos.

("A Gênese", capítulo XV, itens 45 a 47)

Obs.: O episódio conhecido como "Bodas de Caná" está narrado no Evangelho de João, capítulo 2º:

Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galiléia, e estava ali a mãe de Jesus;e foi também convidado
Jesus com seus discípulos para o casamento. E, tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm
vinho. Respondeu-lhes Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Disse então
sua mãe aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser. Ora, estavam ali postas seis talhas de pedra, para as
purificações dos judeus, e em cada uma cabiam duas ou três materiais. Ordenou-lhe Jesus: Enchei de água essas
talhas. E encheram-nas até em cima. Então lhes disse: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E eles o fizeram. Quando
o mestre-sala provou a água tornada em vinho, não sabendo donde era, se bem que o sabiam os serventes que
tinham tirado a água, chamou o mestre-sala ao noivo e lhe disse: Todo homem põe primeiro o vinho bom e,
quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho. Assim deu Jesus início
aos seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele. Depois disso
desceu a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos, e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias. (São João, cap.
II, vv. 1 a 12)


QUESTÕES PARA ESTUDO

a) Como Kardec admite possa se explicar o milagre da tempestade aplacada?

b) Segundo Kardec, através da modificação da propriedade dos fluidos, poder-se-ia explicar a transformação da água em vinho?

c) Qual a hipótese mais provável para explicar esse episódio?


Conclusão

C O N C L U S Ã O

O fato de Jesus permanecer dormindo durante a tempestade que atingiu a barca de seus discípulos mostra que não via perigo algum para eles. Na hipótese de haver espíritos que atuem sobre os elementos da Natureza, o episódio pode ter resultado de um ato de autoridade de Jesus sobre eles. Quanto à passagem conhecida como "Bodas de Caná", provavelmente, não foi um fato real, porém mais uma das parábolas usadas por Jesus para se fazer entender e que foi tomada como realidade.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO

a) Como Kardec admite possa se explicar o milagre da tempestade aplacada?

R - Kardec ressalta que Jesus sabia não haver nenhum perigo iminente naquela situação, em que a tempestade atingiu a barca onde se encontravam os discípulos. Com a vista espiritual altamente desenvolvida, Jesus pôde perceber, antecipadamente, que nenhum perigo ameaçava seus discípulos.

Uma outra hipótese levantada por Kardec é que Jesus pode ter aplacado a tempestade dando ordens neste sentido aos espíritos
encarregados de operar os fenômenos da Natureza. Ainda não conhecemos bastante os segredos da Natureza para dizer se há ou não inteligências ocultas presidindo à ação desses elementos, explica Kardec. Na hipótese de haver, o fenômeno em questão poderia ter resultado de um ato de autoridade de Jesus sobre esses espíritos e provaria um poder que a nenhum homem é dado exercer, conclui o Codificador.

b) Segundo Kardec, através da modificação da propriedade dos fluidos poder-se-ia explicar a transformação
da água em vinho?

R - A transformação da água em vinho, se ocorrida de fato, pode ser explicada pela ação do magnetismo de Jesus. Através de uma transformação fluídica nas propriedades da água, Jesus pode ter lhe dado o sabor do vinho, o que é pouco provável, afirma Kardec, porque, nesta hipótese, a água, tendo do vinho unicamente o sabor, houvera conservado a sua coloração, o que não deixaria de ser notado pelos presentes.

c) Qual a hipótese mais provável para explicar esse episódio?

R - Todos os atos de Jesus e todo o ensinamento por ele deixados são de natureza puramente espiritual. Jesus não praticou um só ato que não trouxesse um ensinamento moral ou que aliviasse a dor de alguém. Admitindo-se como reais os fatos narrados, vemos que se trata de um ato de efeito puramente material, que contraria a pedagogia de que se utilizou para transmitir aos homens a sua mensagem. Como ressalta Kardec, seria um ato de efeito puramente material e que apenas serviria para atrair a curiosidade do povo, sempre sensível aos fenômenos que consideravam sobrenaturais.

Jesus, certamente, sabia que conseguiria maior repercussão para sua mensagem se praticasse atos que trouxessem alívio para as dores, cura para os doentes e obsidiados do que produzindo um efeito dessa natureza. Provavelmente, durante a festa, terá ele aludido ao vinho e à água, tirando de ambos um ensinamento. No entanto, seja como for, não se pode afirmar que o fato não se tenha passado como narrado pelo evangelista, embora, Mais racional e coerente com a sua passagem pelo mundo da matéria, é se admitir tenha sido esta uma das parábolas contadas por Jesus para transmitir seus ensinos e que foi tomada como real.