Educar

037e – Tema: Relacionamento Familiar - texto 03

Inimigos em casa-Aumentam os casos de agressões em família
Não há números oficiais, mas há vergonha e constrangimento de sobra. Apesar de as denúncias em delegacias serem raras, as queixas em consultórios de terapeutas tornam-se a cada dia mais freqüentes. No do psiquiatra Fábio Barbirato, por exemplo, os pais desesperados com as agressões que vêm sofrendo por parte dos filhos passam dos 10%. A Justiça também registra o fenômeno. Numa pesquisa extra-oficial do juiz Cairo Italo França David, dos Juizados Especiais Criminais, o número de casos de pais agredidos beira 3% do total de ações julgadas. São sinais de que a violência dos filhos contra os pais, que atingiu extremos nos casos da paulista Suzane Louise Von Richtofen e da universitária baiana Fabiany Guimarães Silva - que tramaram o assassinato dos pais - já faz parte do dia-a-dia das famílias brasileiras, inclusive das de classe média.

Fábio Barbirato, psiquiatra também da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, diz que de 10% a 30% das queixas no seu consultório de Ipanema são de pais reclamando de filhos agressivos. Ele atende a pelo menos 30 clientes por semana. Na Santa Casa, onde a clientela é também de famílias pobres, o índice de filhos que agridem os pais chega a 44% do total. Ele conta que, recentemente, atendeu a uma mãe desesperada, cuja filha, de 16 anos, havia tentado esfaqueá-la depois de uma discussão. _A jovem andava mal na escola, com notas baixas, e a mãe a proibiu de sair de casa para encontrar os amigos. Foram duas semanas de brigas e discussões até que a adolescente partiu para o confronto direto, usando uma faca_, diz Ana (que prefere usar um nome fictício), de 44 anos, já sofreu agressões físicas por parte da filha, de 16 anos. A situação começou a piorar há cinco anos, com a morte do marido. _Minha filha se transforma quando é contrariada. Com a morte do pai, ela entrou em depressão e hoje faz tratamento. Quando ela me agride, procuro abraçar e conversar, mas é uma situação difícil de lidar. Somos criticados porque não damos limites aos filhos. Mas de que adianta ter limites em casa, se os jovens podem tudo na rua? Acho que o poder público deveria ser mais atuante_, diz.

Para Barbirato, os pais perderam o controle sobre os filhos. Antes, se a criança se irritava e chorava, os pais davam um limite. Hoje, a situação mudou. A falta de respeito e a agressividade começam cedo. _Já vi no consultório uma criança de 7 anos agredir a mãe, com chutes e socos, na frente do pai e do médico. Pior: o pai achava graça em tudo. A figura do pai ajuda a inibir a agressividade, mas sem autoridade não adianta. Muitos pais dessa geração de jovens vieram de um período de repressão, quiseram ser bem diferentes na educação dos filhos e não aprenderam a dar limites. Dar limites não é bater._

Para o pediatra Lauro Monteiro Filho, presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), a questão vai além dos limites. A violência pode denotar maldade ou psicopatias. Como no caso de Suzane. _Há casos de jovens com problemas psicológicos e que são maus. Lembro o caso de um jovem que, depois de uma discussão deu um tapa na cara do pai. Não satisfeito, pegou uma barra de ferro e destruiu o carro da família._

Faz-se, então, a pergunta que não quer calar: todas as famílias estão vulneráveis às agressões de um filho? Sim, dizem os psicanalistas, mas quando há falta de limites e de amor ou quando os filhos são psicopatas. Para a psicanalista Eliana Helsinger, da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), os pais têm total responsabilidade na conduta dos filhos. Para ela, numa sociedade individualista e voltada para valores materiais, é difícil impor limites. _A autoridade tem que ser exercida todos os dias. Não adianta ser permissivo e, de um dia para o outro, querer impor-se de forma arbitrária_, afirma.

Ela critica a horizontalidade e a falta de amor nas relações entre pais e filhos. _Antes de ser amigo, os adultos têm que ser pai e mãe. Isso não significa afastamento. Os pais hoje quase não conversam com os fihos. E os professores também devem se preocupar com isso_, afirma.

O pediatra Eric Yehuda Schussel, presidente do departamento de saúde mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, acredita que há uma banalização da violência. _É preciso ter bom senso na hora de dar limites aos filhos. Hoje, muitos adolescentes já não têm noção do que significa agredir alguém, inclusive os próprios pais._

Para o psiquiatra Jorge Jaber, diretor de ensino da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas, a violência aumentou de um modo geral na sociedade - e violência acaba sempre gerando mais violência. _Um problema que era mais comum nas classes sociais menos favorecidas está migrando para as classes média e alta._

Barbirato chama a atenção para o problema do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, que atinge 6% das crianças em idade pré-escolar. Em 60% desses casos, elas têm uma atitude desafiadora. Desse total, 15% podem apresentar transtorno de conduta com perversão. E esses sinais não são facilmente percebidos pelos pais. _Se seu filho apresenta sinais de tristeza, de introspecção, se a raiva é desproporcional ao fato, procure um especialista._

Para o juiz Cairo Italo, de todos os tipos de agressões que chegam à Justiça, o número de filhos que agridem os pais ainda é considerado pequeno. _Em cem casos, peguei três deste tipo. Mas estes casos só chegam aos tribunais quando a coisa extrapola e os pais ficam com medo de algo mais grave_, explica ele, que acredita que o número seja muito maior.

Jornal A Crítica _ Manaus 17 de novembro de 2002.
de novembro de 2002.


Conclusão