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E a vida continua

003 - Capítulo 3 - Ajuste amigo

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE Sala de Estudos André Luiz Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB) Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier Tema: Capítulo 3 - Ajuste amigo Fantini percebeu que a interlocutora havia sido sul­cada mentalmente pelo olhar que lhe endereçara e dis­pôs-se a tranqüilizá-la: — Continuemos, Dona Evelina. Minha presença não lhe fará mal. Observe-me, não direi com a sua gentileza, mas sim com o seu discernimento. Sou um velho en­fermo que pode ser seu pai e acredite que a vejo como filha... A voz dele esmoreceu, de algum modo, entretanto cobrou ânimo e terminou: — A filha que estimaria ter, em lugar da que possuo. Evelina adivinhou o sofrimento moral que as pala­vras dele destilavam e reajustou a posição emotiva, sen­tenciando: — O senhor não se alegraria com uma filha doente qual estou. Mas... voltemos ao meu caso, o caso da confissão. — Não me conte tristezas... — Certo. Já não dispomos de muito tempo. E continuou com um sorriso de mofa: — Conversando com tanta franqueza, num lugar que talvez seja a antecâmara da morte para um de nós dois, desejo dizer-lhe que só um fato me perturba. Te­nho as desilusões comuns a qualquer pessoa. Meu pai morreu, quando eu mal completara dois anos; minha mãe, então viúva, deu-me um padrasto, algum tempo depois; ainda na infância, fui internada num colégio de religiosas amigas e, depois disso tudo, casei-me para ter um marido diferente daquele que eu sonhava... No meio do romance, uma tragédia... Um homem, um rapaz digno, aniquilou-se por minha causa, seis meses antes do meu casamento. Precedendo o ato que lhe impôs a morte, tentou o suicídio ao ver-se posto à margem. Compadeci-me. Busquei reaproximar-me, ao menos para consolá-lo, e, quando meu sentimento balançava entre o pobre moço e o homem que desposei, ei-lo que se despede da vida com um tiro no coração... Desde aí, qualquer felicidade para mim é uma luz misturada de som­bra. Embora o imenso amor que consagro a meu marido, nem mesmo a condição de mãe consegui. Vivo doente, frustrada, abatida... — Ora, ora! — aventou Ernesto, diligenciando en­contrar uma escapatória otimista — não se julgue cul­pada. Não fôsse supostamente pela senhora e o moço agiria de igual modo por outro móvel. O impulso suicida, tanto quanto o impulso criminoso... A voz dele empalideceu de novo, qual se o íntimo recusasse certas reminiscências que as palavras em curso lhe suscitavam à memória; contudo, dando a ideia de quem agia fortemente contra si mesmo, prosseguiu: — São incógnitas da alma. Talvez sejam ápices de doenças psíquicas, demoradamente mantidas no espírito. O suicídio e o crime são de temer em qualquer de nós, porque são atos de delírio, que fundos processos de cor­rosão mental determinam em qualquer um. — O senhor procura apaziguar-me com a sua no­breza de coração — exclamou Evelina, cismativa —, de­certo não conheceu, até hoje, um problema assim agudo, a conturbar-lhe a consciência. — Eu? eu? — gaguejou Fantini, desconcertado —, não me faça voltar ao passado, pelo amor de Deus!... Já cometi muitos erros, sofri muitos enganos... E, no objetivo de contornar a questão sem escalpelá­-la, Ernesto sorriu à força, com a maleabilidade das pes­soas maduras, que sabem usar várias máscaras fisio­nômicas, para determinados efeitos psicológicos, e aditou: — Não conseguiu, porventura, esquecer o moço sui­cida, com apoio no confessionário? O seu diretor espi­ritual não lhe sossegou o coração sensível e afetuoso? — Repito que sempre encontrei na confissão de meus erros menores uma espécie de vacina moral contra erros maiores; entretanto, no caso em apreço, não obtive a paz que desejava. Admito que se não houvesse hesi­tado, tanto tempo, entre dois homens, teria evitado o desastre. Basta me lembre de Túlio, o infeliz, para que o quadro da morte dele se me reavive na lembrança e, com a lembrança, surja, de imediato, o complexo de culpa... — Não se agaste. A senhora está muito jovem. Como acontece à mão que, a pouco e pouco, se caleja no trabalho do campo, a sensibilidade também se enrijece com o sofrimento na vida. Certamente, se escaparmos, com êxito, no salto que pretendemos dar para a saúde, ainda veremos muitos suicídios, muitas decepções, mui­tas calamidades... A senhora Serpa refletiu alguns momentos e, dando a impressão de quem se propunha ganhar ensejo para balsamizar feridas íntimas, indagou com intenção: — O senhor, que vem estudando as ciências da alma, acredita piamente que reencontraremos as pessoas que­ridas, depois da morte? Fantini estampou um gesto de complacência e di­vagou: — Não sei porque, mas, à frente de sua inquirição, veio-me à cabeça aquele pensamento do velho Shakespea­re: Os infelizes não possuem outro medicamento que não seja a esperança.» Tenho boas razões para crer que nos reveremos uns aos outros, quando não mais esti­vermos neste mundo; todavia, compreendo que a preca­riedade do meu estado orgânico é o agente fixador de semelhante convicção. A senhora já notou que as ideias e as palavras são filhas das circunstâncias? Imagine se nos víssemos hoje em plenitude da força física, robustos e bem apessoados, num encontro social, num baile por exemplo... Qualquer conceito, em torno dos assuntos que nos aproximam agora um do outro, seria imediatamente banido de nossas cogitações. — É verdade. — A moléstia aflitiva nos dá direito de entretecer novos recursos e novas interpretações, ao redor da vida e da morte, e, na esfera das novas conclusões que temos à frente, admito que a existência não acaba no túmulo. Estamos intimados a recordar aquela antiga ilação das novelas de amor, «o romance termina, mas a vida con­tinua... » O envoltório de carne tombará consumido; todavia, o Espirito seguirá adiante, sempre adiante... — O senhor costuma pensar em alguém que esti­maria achar na outra vida? Ele mostrou enigmático sorriso e zombeteou: — Penso em alguém que estimaria não achar. — Não consigo entender o trocadilho. Apesar disso, reconforta-me anotar a certeza com que me fala, acerca do futuro. — A senhora não pode e nem deve perder a con­fiança no porvir. Lembre-se de que é, sobretudo, cristã, discípula de um Mestre que ressurgiu da campa, ao ter­ceiro dia, depois da morte. A senhora Serpa não sorriu, O olhar divagou, além, nas nuvens róseas que refletiam o Sol já distante, reco­nhecendo-se talvez sacudida nas forças profundas de sua fé por aquela inesperada observação. Findo o longo intervalo, voltou a fitar o interlo­cutor e preparou a despedida: — Bem, senhor Fantini, se houver outra vida, além desta, e se for a vontade de Deus que venhamos a so­frer, em breve, a grande mudança, creio que nos veremos de novo e seremos lá bons amigos... — Como não? se conseguir adivinhar o fim de meu corpo, conservarei firme o pensamento positivo do nosso reencontro. — Também eu. - Quando volta a São Paulo? — Amanhã pela manhã. — Tem ocasião marcada para o trabalho opera­tório? — Meu marido decidirá isso com o médico; no en­tanto, creio que, na semana vindoura, enfrentarei o pro­blema. E o senhor? — Não estou certo. Questão de mais alguns poucos dias. Não desejo retardar a intervenção. Posso, acaso, saber o nome do seu hospital? Evelina meditou, meditou... E concluiu: — Senhor Fantini, somos ambos portadores da mes­ma doença, insidiosa e rara. Não será isso o bastante para aproximar-nos um do outro? Esperemos o futuro sem aflição. Se escaparmos do atoleiro, estou convencida de que Deus nos favorecerá com um novo encontro aqui na Terra mesmo... Se a morte vier, a nossa amizade, em outro mundo, ficará também subordinada aos desíg­nios da Providência. Ernesto achou graça e ambos regressaram ao hotel, passo a passo, em comovido silêncio. QUESTÕES PARA ESTUDO 1) Evelina sente-se responsável indireta pelo suicídio de Túlio, antigo namorado, e por isso passa a sofrer complexo de culpa. À luz do Espiritismo, Evelina sofrerá alguma consequência na vida futura em razão do ocorrido? 2) Por que a confissão de Evelina, atendendo à crença que praticava, não lhe trouxe a paz que desejava? 3) Após Eveline lhe indagar sobre o reencontro com pessoas queridas após a morte, como entender a lembrança de Ernesto do pensamento de Shakespea­re: “Os infelizes não possuem outro medicamento que não seja a esperança”? 4) Qual a intenção de Ernesto ao lembrar a Evelina que ela é, “sobretudo, cristã, discípula de um Mestre que ressurgiu da campa, ao ter­ceiro dia, depois da morte”?


Conclusão

Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo – CVDEE Sala de Estudos André Luiz Livro em estudo: E a vida continua (Editora FEB) Autor: Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier Tema: Capítulo 3 - Ajuste amigo Conclusão 1) Evelina sente-se responsável indireta pelo suicídio de Túlio, antigo namorado, e por isso passa a sofrer complexo de culpa. À luz do Espiritismo, Evelina sofrerá alguma consequência na vida futura em razão do ocorrido? O suicídio é uma grave transgressão as leis de Deus que não deve ser praticado. Embora o ato seja realizado pelo próprio Espírito em desespero, todo aquele que contribui para que o outro retire sua própria vida, assume um débito ou necessidade de reparação perante as Leis Divinas. Evelina sente-se culpada por acreditar que suas atitudes em relação a Túlio contribuíram para o seu suicídio. Seu complexo de culpa é consequência de não ter agido conforme sua própria consciência. 2) Por que a confissão de Evelina, atendendo à crença que praticava, não lhe trouxe a paz que desejava? Porque falar sobre o que aconteceu não trazia a reparação do ato praticado. Além do arrependimento de um erro, é preciso buscar ações reparadoras. 3) Após Evelina lhe indagar sobre o reencontro com pessoas queridas após a morte, como entender a lembrança de Ernesto do pensamento de Shakespea­re: “Os infelizes não possuem outro medicamento que não seja a esperança”? Ernesto mostra a necessidade da esperança na vida futura quando o Espírito está atormentado pelas suas próprias escolhas infelizes. Nesta situação, só é possível buscar consolo no porvir, pois no momento presente o Espírito sofre pela culpa dos males que praticou. 4) Qual a intenção de Ernesto ao lembrar a Evelina que ela é, “sobretudo, cristã, discípula de um Mestre que ressurgiu da campa, ao ter­ceiro dia, depois da morte”? Ernesto procura lembrar a Evelina que Jesus sobreviveu a morte do corpo e que sendo ela discípula do Mestre, também lhe compete acreditar na imortalidade da alma. Um abraço a todos, Equipe André Luiz