Estudo_texto

Obreiros da Vida Eterna

008 - Treva e Sofrimento

Concluído o trabalho de socorro a Domenico, a equipe socorrista que André Luiz integrava prosseguiu seu caminho. Atravessava, agora, região de profundo sofrimento, onde espíritos em grande desequilíbrio padeciam os horrores ocasionados por seu estado mental. Os benfeitores deveriam interceder junto àquelas almas no sentido de esclarecê-las e recolocá-las na trilha do bem, para que, então, pudessem almejar uma melhor sorte. Vamos ao relato que o Autor nos transmite, em síntese. Texto para estudo: <br> A sombra tornava-se, de novo, muito densa e não se conseguia divisar o recôncavo. Frases comovedoras, porém, subiam até nós. Dolorosos ais, blasfêmias, imprecações. Guardava a idéia de que vastíssimo agrupamento de infelizes se rebolcava no solo, em baixo. ...<br> <br> Certo, os demais companheiros experimentavam análogas emoções, porque a Irmã Zenóbia tomou a palavra, esclarecendo: - Os padecimentos que sentimos não se verificam à revelia da Proteção Divina. Incansáveis trabalhadores da verdade e do bem visitam seguidamente estes sítios, convocando os prisioneiros da rebeldia à necessária renovação espiritual; no entanto, retraem-se eles, revoltados e endurecidos no mal. ... quando retirados compulsoriamente do vale tenebroso, acusam-nos de violentadores e ingratos, fugindo ao nosso contato e influenciação.<br> <br> Contemplamos, então, sensibilizados e surpresos, monstruoso quadro vivo. Vasta legião de sofredores cobria o fundo, um pouco abaixo de nossos pés. ... Em seguida, solicitou ao padre Hipólito dirigisse apelo geral, em nome do Senhor, às vítimas do infortúnio, para que considerassem a necessidade da transformação íntima. O ex-sacerdote abriu pequeno manual evangélico que carregava consigo e leu, na relação do Apóstolo Lucas, a parábola do homem rico que se vestia de púrpura, em regalada existência, enquanto o mendigo chaguento lhe batia, debalde à porta da sensibilidade.<br> <br> - Fora! Fora! Abaixo as mentiras do altar! - Ataquemos de vez o Padre! - Estamos bem, somos felizes! Não pedimos auxílio algum, não precisamos de arengas! - Temos aqui o nosso céu! Vão para os infernos!... ... Bolas de substância negra começaram a cair, ao nosso lado, partindo de vários pontos do abismo de dor. - As redes! - exclamou Zenóbia, dirigindo-se a alguns colaboradores - estendam as redes de defesa, isolando-nos o agrupamento.<br> <br> ... e o padre Hipólito, sobrepondo-se aos ruídos e insultos, iniciou o comentário com empolgante acento: - Irmãos, que vos prepareis para a recepção da Luz Divina, é o nosso desejo fraternal! Reúnem-se aqui várias centenas de infortunados companheiros em precárias condições espirituais.... Cruéis perversões interiores modificam-vos o aspecto fisionômico. Não vos assemelhais às criaturas humanas que fostes, repletas de dons divinos, e, sim, a imagens vivas das regiões infernais, infundindo compaixão aos bons, receio e pavor aos mais tímidos.... Entretanto, sois nossos irmãos mais infelizes, aleijados do sentimento e do raciocínio, perdidos em dolorosos desertos da ignorância.<br> <br> Ante o respeitoso silêncio que o seu verbo inflamado provocara, prosseguiu, comovendo-nos: - Domina-vos a inveja e o despeito, a maldade e o sarcasmo, quando não permaneceis aniquilados de supremo terror. Emitis desordenadas paixões, entre coros de ironias e lágrimas ... Quase todos recebeis nosso concurso amoroso, reagindo, impenitentes. ... Acreditais que somos agraciados por favores indébitos, que somos prediletos dos Céus e afirmais levianamente que privilégios gratuitos nos felicitam a vida. ... Somos, também, batalhadores a longa distância da última vitória sobre nós mesmos, encontramo-nos, igualmente, no mesmo carreiro de redenção. <br> - ... Também sentimos saudades do lar terrestre e dos brandos elos afetivos que se movimentam agora, muito distantes, experimentando, como vos acontece, o vivo desejo de regressar ao passado, a fim de retificar os caminhos percorridos, e, quase sempre, debalde procuramos aqueles que nos testemunharam amor, com o fim de beijar-lhes as mãos e pedir-lhes esquecimento das nossas fraquezas. Possuímos, todavia, a felicidade de compreender a extensão de nossos débitos e pusemo-nos, desde muito, a caminho do futuro redentor.<br> <br> - Nenhum de nós outros, os que apelamos para a vossa renovação, encontrou até agora a residência dos anjos. Somos companheiros em cujo coração palpita, plena, a Humanidade, com os seus defeitos e aspirações. Compreendemos, contudo, vosso tormento consumidor e trazemos a todos o convite de renúncia aos impulsos egoísticos, concitando-vos, ainda, ao reconhecimento devido ao Senhor e à penitência pelos nossos erros voluntários e criminosos do passado.<br> <br> Longas filas de sofredores acorriam de todos os recantos, fitando-nos à claridade das tochas, à distância de trinta metros, aproximadamente.... Viam-se ali necessitados de todos os tipos: aleijões, feridas, misérias exibiam-se ao nosso olhar, constringindo-nos os corações.... De olhos ansiosos, falavam sem palavras do intenso e secreto desejo de se unirem a nós; entretanto, algo lhes coibia a realização.... Entre a multidão compacta e nós outros, cavava-se profundo fosso, e, onde surgiam possibilidades de transposição mais fácil, reuniam-se pequenos grupos de entidades que se revelavam por sinistra expressão fisionômica.<br> <br> Homenzarrão hirsuto, com todas as particularidades dum gigante, avançou até à borda do fosso, no outro lado, fez significativo gesto de provocação e perguntou, bradando: - Calou-se o realejo do padre?! Riu-se, diabolicamente, e continuou: - Perdem tempo! ... Onde está o Deus que nos prometeram?! Têm, porventura, o mapa do céu? Nossos ídolos agora estão quebrados. ... Voltaremos, acaso, à ingenuidade primitiva, a ponto de acreditar novamente em mentiras religiosas? ... Declaram-se felizes e proclamam a compaixão de um pai que não conhecemos. Viram-no alguma vez?<br> <br> ... Revelando sob forte impressão, o padre Hipólito respondeu: - O conhecimento da Divindade o roteiro celeste serão encontrados dentro de nós mesmos. Por que audácia inominável cometeríamos o absurdo de aguardar plena e pronta identificação da nossa natureza egressa da irracionalidade, em dias tão curtos, com a sublime plenitude de Deus?... Em verdade, as religiões antropomórficas da Crosta envenenaram-nos a mente, instilando falsas concepções de Deus em nossos raciocínios.... Tomados, pois, de compaixão pela nossa rebeldia e infortúnio, rogamos ao Senhor abençoe a esperança de quantos nos ouvem, famintos de suprema redenção, como nós, diante da grandeza inapreciável da vida eterna!<br> <br> ... Verdade é que doía vê-los oprimindo míseras entidades que se ajoelhavam sob nosso olhar, implorando ajuda e liberação; entretanto, razões ponderáveis existiriam, justificando a ligação entre algozes e vítimas, razões que me escapavam, naturalmente, na hora em curso. ...Tomado de súbita piedade, notei que, ao serenarem as ironias dos maus e observando talvez que não transpúnhamos o obstáculo em serviço de libertação, pintava-se, na fisionomia dos sofredores confessos, a mais pungente ansiedade. Pobre velhinha, que me pareceu desassombrada na fé, examinando os terríveis fatores circunstanciais, estendeu-nos os braços esqueléticos e, na sua antiga concepção religiosa, suplicou-nos: - Santos mensageiros de Duas, nosso Pai, dignai-vos retirar-nos do purgatório! Estamos torturados pelo fogo dos remorsos e pelos demônios que nos cercam. Por piedade, salvai-nos!<br> <br> Destacando-se umas das outras, as súplicas proferidas evidenciavam a presença de adeptos de variados credos religiosos, conhecidos na Crosta, e os espiritistas não faltavam no triste concerto. Determinada senhora, de porte respeitável, deprecou, chorosa: - Espíritos do Bem, auxiliai-me! Eu conheci Bezerra de Menezes na Terra, aceitei o Espiritismo. No entanto, ai de mim! Minha crença não chegou a ser fé renovadora. Dedicava-me à consolação, mas fugia à responsabilidade! A morte atirou-me aqui, onde tenho sofrido bastante as conseqüências do meu relaxamento espiritual! Socorrei-me, por Jesus! De todos os recantos soavam apelos comovedores.<br> <br> Ativa, delicada, Zenóbia determinou que fossem lançadas faixas luminosas de salvação ao outro lado, no propósito de retirarmos o número possível de sofredores de tão amargurosa situação; todavia, a ordem seguiu-se de odiosa represália. Os gênios diabólicos fizeram-se mais duros. Acorreram míseras almas, aos magotes, buscando agarrar-se às extremidades resplandecentes, descidas na margem oposta, como bordos de acolhedora ponte de luz; no entanto, multiplicaram-se golpes e pancadas. Entidades perversas, em grande número, continham os aflitos prisioneiros, impedindo-lhes o salvamento, com manifesto recrudescimento de maldade. Nosso esforço persistiu por longos minutos, ao fim dos quais, observando que redundavam inúteis, apenas favorecendo a dilatação da agressividade dos algozes, a Irmã Zenóbia, mantendo-se em grande serenidade, determinou fosse recolhido o material utilizado para os trabalhos de salvação.<br> <br> A Irmã Zenóbia, contudo, prosseguiu, intrépida, dirigindo-se especialmente aos infortunados: - Suportai os verdugos cruéis por mais algumas horas e valei-vos da oração para que não vos faltem energias interiores. Não temos necessidade da luta corporal, nem da defensiva destruidora e, sim, da resistência que o Divino Mestre exemplificou. Tolerai os inimigos gratuitos do bem, desesperados e infelizes, que nos perseguem e maltratam, orando por eles, porque o Poder Renovador se manifestará, convidando, por intermédio do sofrimento, a que se arrependam e se convertam.... Entrementes, os encarcerados na dor continuaram implorando auxílio, mas, atendendo as determinações da Irmã Zenóbia, apagamos as luzes, pondo-nos de volta.<br> Bibliografia: 1 - O Livro dos Espíritos - questões 274 a 290 e 1.012 a 1019; 2 - O Céu e o Inferno, Allan Kardec - Capítulos III, IV e V; 3 - Depois da Morte, León Denis - Parte Quarta 4 - Educação para a Morte - Herculano Pires Questões para estudo: 1 - Se, como afirmou a Irmã Zenóbia, <br>os padecimentos que sentimos não se verificam à revelia da Proteção Divina<br>, por que essa Proteção Divina não libertava aqueles espíritos de tanto sofrimento? 2 - Que mensagem o padre Hipólito quis transmitir àqueles espíritos ao lhes falar sobre a <br>Parábola do Homem Rico<br>? 3 - Por que a reação dos espíritos que persistiam no mal contra a intervenção do padre? O que a figura do padre simbolizava para eles? 4 - Como o espiritismo explica o fato daqueles espíritos apresentarem aspectos tão desformes, em nada se assemelhando à criatura humana? 5 - Por que aqueles espíritos sofredores não conseguiam libertar-se das forças do mal para irem se juntar à equipe de benfeitores, embora o desejassem? 6 - Qual a razão do encerramento da missão antes de conseguir resgatar qualquer deles do domínio dos líderes do mal? 7 - Que lição podemos tirar do fato de, entre os espíritos que estavam em tamanho sofrimento, encontrarmos vários religiosos?


Conclusão

Questões para estudo: 1 - Se, como afirmou a Irmã Zenóbia, ###os padecimentos que sentimos não se verificam à revelia da Proteção Divina###, por que essa Proteção Divina não libertava aqueles espíritos de tanto sofrimento? O sofrimento não é provocado por Deus, como um ###castigo### devido aos nossos erros, como muitos pensam. O sofrimento é a reação natural devido a um comportamento, pensamento ou ação que estejam contrários às leis naturais ou divinas. Ele é responsabilidade de cada Espírito, que responde perante as leis, escritas na própria consciência, pelo erros cometidos. Assim, da mesma forma que cair em sofrimento corre por nossa responsabilidade, libertar-se deste sofrimento também é nossa responsabilidade. Nesta jornada poderemos ser auxiliados pelos amigos, pelos Espíritos Bons, que aliviaram nosso fardo. Mas a completa libertação depende da mudança de posta íntima, da reestruturação interior, que é tarefa de cada um. A Proteção Divina nunca falta, como afirmou Zenóbia, mas a sintonia necessária para percebê-la ao nosso redor depende exclusivamente de nós. 2 - Que mensagem o padre Hipólito quis transmitir àqueles espíritos ao lhes falar sobre a ###Parábola do Homem Rico###? Esta párabola (LUCAS, cap. XVI, vv. 19 a 31) é bastante significativa ao mostrar a diversidade das condições espirituais em comparação com as condições sociais de quando estamos encarnados. O mau rico, sofrendo nos planos inferiores, roga a proteção dos espíritos superiores, representados na parábola por Abraão, que lhe mostra que, quando encarnado ele teve todas as condições necessárias para crescer e evoluir, e no entanto usou as possibilidades de forma totalmnete egoísta. Hipólito traz essa lembrança, mostrando que as condições atuais daqueles espíritos decorrem do mau uso da encarnação. Não se trata, sabemos, apenas da riqueza material, de posses, mas de todas as possibilidades que temos: saúde, amizade, inteligência, etc. Aprender a repartir o que temos com aqueles que não têm, no exercício legítimo da caridade, é mecanismo de prevenção aos males futuros. 3 - Por que a reação dos espíritos que persistiam no mal contra a intervenção do padre? O que a figura do padre simbolizava para eles? Muito provavelmente interpretavam a figura do padre como um representante religioso, ao passo que aqueles espíritos estavam completamente decepcionados com a religião. Certamente acreditaram que, estando ligados a uma corrente religiosa, qualquer que seja, estariam dispensados de prestar contas à própria consciência. Talvez cressem, como muitos, que filiar-se a uma religião é garantir uma vida futura tranquila e em paz, independente dos atos e comportamentos assumidos. Acreditaram nas promessas que muitos religiosos fazem, de uma vida espiritual futura totalmente descompromissada com os valores humanos. Assim, ao reencontrarem um padre no mundo espiritual, a reação deles, de revolta, surge naturalmente. A palestra de Hipólito visa justamente corrigir estes conceitos equivocados. 4 - Como o espiritismo explica o fato daqueles espíritos apresentarem aspectos tão desformes, em nada se assemelhando à criatura humana? O perispírito, que é o corpo espiritual, é uma estrutura extremamente plástica, no sentido de poder apresentar as formas mais diversas. Estas formas são controladas pela mente do Espírito. Dependendo da condição mental, o corpo espiritual tem sua estrutura desequilibrada, apresentando os característicos de deformidades narrados por André Luiz. Da mesma forma, o equilíbrio das energias sutis, que garantem a ###saúde### do perispírito, é também afetado. No plano espiritual inferior, que é a situaçao apresentada no capítulo, as variedades de doenças, aleijões, deformidades são muito maiores do que entre os encarnados. 5 - Por que aqueles espíritos sofredores não conseguiam libertar-se das forças do mal para irem se juntar à equipe de benfeitores, embora o desejassem? Porque não basta o simples desejo. Deve-se promover uma transformação real, íntima, interior, suficientemente forte para quebrar a ligação com os erros cometidos e predispor-se ao processo de reparação. Por um processo complexo, os Espíritos (e aí englobamos todos nós) que se colocam na posição de ###vítimas### estão na realidade aplicando em si mesmos as penas ditadas pela própria consciência que se sabe culpada. Por isso o processo de libertação não é tão simples. 6 - Qual a razão do encerramento da missão antes de conseguir resgatar qualquer deles do domínio dos líderes do mal? O processo de auxílio é gradativo. Não se apresentando as condições para que o auxílio pudesse ser mais efetivo, além de ter-se ampliado a violência dos verdugos, Zenóbia o adia para um momento mais propício, onde cada um poderá estar em uma condição mental que auxilie os amigos espirituais. 7 - Que lição podemos tirar do fato de, entre os espíritos que estavam em tamanho sofrimento, encontrarmos vários religiosos? Que a condição da vida futura independe da condição religiosa exterior, das insígnias que usarmos, dos títulos eclesiásticos, de posição assumida na hierarquia religiosa da igreja ou culto; ou seja, enquanto a religião for apenas um rótulo que usamos para nos separar em grupos bem definidos, que assumem estar inteirados de toda a verdade; enquanto os religiosos não assumirem o papel de orientadores para a vida espiritual; enquanto cada um de nós não assumirmos que é a condição moral que determina nossa real posição na escala da vida, estamos todos sujeitos aos sofrimentos e tormentas dos planos inferiores, que na realidade apenas retratam os sofrimentos e tormentas que carregamos dentro de nós mesmos. A religião não serve portanto de distintivo entre os Espíritos.