A Gênese

083 – Perda do paraíso - 1ª pte. (itens 13 a 17)

1.- DO PRIMEIRO LIVRO DE MOISÉS, CHAMADO GÊNESIS:

Capítulo II

9. Ora, o Senhor Deus plantara desde o começo um jardim de delícias, no qual pôs o homem que ele formara.
O Senhor Deus também fizera sair da terra toda espécie de árvores belas ao olhar e cujo fruto era agradável
ao paladar e, no meio do paraíso , a árvore da vida, com a árvore da ciência do bem e do mal. (Ele fez sair,
Jeová Eloim, da terra (min haadama) toda árvore bela de ver-se e boa para comer-se e a árvore da vida (vehetz
hachayim) no meio do jardim e a árvore da ciência do bem e do mal.)

15. - O Senhor tomou, pois, do homem e o colocou em o paraíso de delícias, a fim de que o cultivasse e
guardasse. - 16. Deu-lhe também esta ordem e lhe disse: Come de todas as árvores do paraíso. (Ele ordenou,
Jeová Eloim, ao homem (hal haadam) dizendo: De toda árvore do jardim podes comer.) - 17. Mas, não comas
absolutamente o fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porquanto, logo que o comeres, morrerás
com toda a certeza. (E da árvore do bem e do mal (oumehetz hadaat tob vara) não comerás, pois que no dia
em que dela comeres morrerás.)

Capítulo III

1. Ora, a serpente era o mais fino de todos os animais que o Senhor Deus formara na Terra. E ela disse
à mulher: Por que vos ordenou Deus que não comêsseis os frutos de todas as árvores do paraíso? (E a
serpente (nâhâsch) era mais astuto do que todos os animais terrestres que Jeová Eloim havia feito; ela disse
à mulher (el haïscha): Terá dito Eloim: Não comereis de nenhuma árvore do jardim?) - 2. A mulher respondeu:
Comemos dos frutos de todas as árvores que estão no paraíso. (Disse ela, a mulher, à serpente, do fruto
(miperi) das árvores do jardim podemos comer.) - 3. Mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do
paraíso, Deus nos ordenou que não comêssemos dele e que não lhe tocássemos, para que não corramos
o perigo de morrer. - 4. A serpente replicou à mulher: Certamente não morrereis. - Mas, é que Deus sabe
que, assim houverdes comido desse fruto, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecendo o
bem e o mal.

6. A mulher considerou então que o fruto daquela árvore era bom de comer; que era belo e agradável à
vista. E, tomando dele, o comeu e o deu a seu marido, que também comeu. (Ela viu, a mulher, que ela era
boa, a árvore como alimento, e que era desejável a árvore para compreender (léaskil), e tomou de seu fruto,
etc.)

8. E como ouvissem a voz do Senhor Deus, que passeava à tarde pelo jardim, quando sopra um vento
brando, eles se retiraram para o meio das árvores do paraíso, a fim de se ocultarem de diante da sua face.

9. Então o Senhor Deus chamou Adão e lhe disse: Onde estás? - 10. Adão lhe respondeu: Ouvi a tua voz
no paraíso e tive medo, porque estava nu, essa a razão por que me escondi. - 11. O Senhor lhe retrucou: E
como soubeste que estavas nu, senão porque comeste o fruto da árvore da qual eu vos proibi que comêsseis?
12. Adão lhe respondeu: A mulher que me deste por companheira me apresentou o fruto dessa árvore e eu
dele comi. - 13. O Senhor Deus disse à mulher: Por que fizeste isso? Ela respondeu: A serpente me enganou
e eu comi desse fruto.

14. Então, o Senhor Deus disse à serpente: Por teres feito isso, serás maldita entre todos os animais e todas
as bestas da terra; rojar-te-ás sobre o ventre e comerás a terra por todos os dias de tua vida. - 15. Porei uma
inimizade entre ti e a mulher, entre a sua raça e a tua. Ela te esmagará a cabeça e tu tentarás morder-lhe o
calcanhar.

16. Deus disse também à mulher: Afligir-te-ei com muitos males durante a tua gravidez; parirás com dor;
estarás sob a dominação de teu marido e ele te dominará.

17. Disse em seguida a Adão: Por haveres escutado a voz de tua mulher e haveres comido do fruto da árvore
de que te proibi que comesses, a terra te será maldita por causa do que fizeste e só com muito trabalho tirarás
dela com que te alimentes, durante toda a tua vida. - 18. Ela te produzirá espinhos e sarças e te alimentarás
com a erva da terra. - 19. E comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra donde foste
tirado, porque és pó e em pó te tornarás.

20. E Adão deu à sua mulher o nome de Eva, que significa a vida, porque ela era a mãe de todos os viventes.

21. O Senhor Deus também fez para Adão e sua mulher vestiduras de peles com que os cobriu. - 22. E disse:
Eis aí Adão feito um de nós, sabendo o bem e o mal. Impeçamos, pois, agora, que ele deite a mão à árvore da
vida, que também tome do seu fruto e que, comendo desse fruto, viva eternamente. (Ele disse, Jeová Eloim:
Eis aí, o homem foi como um de nós para o conhecimento do bem e do mal; agora ele pode estender a mão e
tomar da árvore da vida (veata pen ischlachyado velakach mehetz hachayim); comerá dela e viverá eternamente.)

23. O Senhor Deus o fez sair do jardim de delicias, a fim de que fosse trabalhar no cultivo da terra donde ele
fora tirado. - 24. E, tendo-o expulsado, colocou querubins (1 diante do jardim de delícias, os quais faziam luzir
uma espada de fogo, para guardarem o caminho que levava à árvore da vida).


2.- Sob uma imagem pueril e às vezes ridícula, se nos ativermos à forma, a alegoria oculta freqüentemente as maiores
verdades. Como na fábula de Saturno, o deus que devorava pedras, tomando-as por seus filhos. Todavia, que de mais profundamente filosófico e verdadeiro do que essa figura, se lhe procuramos o sentido moral! Saturno personifica o
tempo. Sendo todas as coisas obra do tempo, ele é o pai de tudo o que existe. Como tudo se destrói com o tempo,
Saturno a devorar pedras é o símbolo da destruição, pelo tempo, dos mais duros corpos, seus filhos, visto que se
formaram com o tempo.

3.- É mesmo tão natural essa imagem que, na linguagem moderna, sem alusão à Fábula antiga, se diz, de uma coisa
que afinal se deteriorou, ter sido devorada pelo tempo, carcomida, devastada pelo tempo. Toda a mitologia pagã, aliás,
nada mais é, em realidade, do que um vasto quadro alegórico das diversas faces, boas e más, da Humanidade. Para
quem lhe busca o espírito, é um curso completo da mais alta filosofia, como acontece com as modernas fábulas. O
absurdo estava em tomarem a forma pelo fundo.

4.- Outro tanto se dá com a Gênese, onde se tem que perceber grandes verdades morais debaixo das figuras materiais
que, tomadas ao pé da letra, seriam tão absurdas como se, em nossas fábulas, tomássemos em sentido literal as
cenas e os diálogos atribuídos aos animais. Adão personifica a Humanidade. Sua falta individualiza a fraqueza do
homem, em quem predominam os instintos materiais a que ele não sabe resistir. A árvore, como árvore de vida, é o
emblema da vida espiritual. Como árvore da Ciência, é o emblema da consciência, que o homem adquire, do bem e
do mal, pelo desenvolvimento da sua inteligência e do livre-arbítrio, em virtude do qual ele escolhe entre um e outro.

Obs.: Está hoje perfeitamente reconhecido que a palavra hebréia haadam não é nome próprio, significando o homem
em geral, a humanidade.

5.- Assinala o ponto em que a alma do homem, deixando de ser guiada unicamente pelos instintos, toma posse da sua
liberdade e incorre na responsabilidade dos seus atos. O fruto da árvore simboliza o objeto dos desejos materiais do
homem. É a alegoria da cobiça. Concretiza, numa figura única, os motivos de arrastamento ao mal. O comer é sucumbir
à tentação. A árvore se ergue no meio do jardim de delícias para mostrar que a sedução está no seio mesmo dos
prazeres e para lembrar que, se dá preponderância aos gozos materiais, o homem se prende à Terra e se afasta do seu
destino espiritual.

Obs.: Em nenhum texto o fruto é especializado como a maçã, palavra que só se encontra nas versões infantis.O termo
do texto hebreu é peri, que não determina nenhuma espécie e pode ser tomado em sentido material, moral, alegórico.
Em latim, foi traduzido por malum, que se aplica tanto à maçã como a qualquer espécie de fruto.

6.- A morte de que ele é ameaçado, caso infrinja a proibição que se lhe faz, é um aviso das conseqüências inevitáveis,
físicas e morais, decorrentes da violação das leis divinas que Deus lhe gravou na consciência. É por demais evidente
que aqui não se trata da morte corporal, pois que, depois de cometida a falta, Adão ainda viveu longo tempo, mas, sim,
da morte espiritual, ou, por outras palavras, da perda dos bens que resultam do adiantamento moral, perda figurada pela
sua expulsão do jardim de delícias.

7.- A serpente está longe hoje de ser tida como tipo da astúcia. Ela, pois, entra aqui mais pela sua forma do que pelo
seu caráter, como alusão à perfídia dos maus conselhos, que se insinuam como a serpente e da qual, por essa razão,
o homem, muitas vezes, não desconfia. Deve-se, além disso, notar que o termo hebreu nâhâsch, traduzido por
serpente, vem da raiz nâhâsch, que significa fazer encantamentos, adivinhar as coisas ocultas, podendo, pois, significar
encantador, adivinho.

8.- Com esta acepção, ele é encontrado na própria Gênese, em outros pontos. Daí o haver a palavra nâhâsch tomado
também a significação de serpente, réptil que os encantadores tinham a pretensão de encantar ou de que se serviam
em seus encantamentos. É, pois, provável que Moisés tenha apresentado como sedutor da mulher o desejo de
conhecer as coisas ocultas, suscitado pelo espírito de adivinhação, o que concorda com o sentido primitivo da palavra
nâhâsch, adivinhar. Não se deve esquecer que Moisés queria proscrever de entre os hebreus a arte da adivinhação
praticada pelos egípcios, como prova o haver proibido que aqueles interrogassem os morto.



QUESTÕES PARA ESTUDO

a) Dentro do simbolismo que caracteriza a narrativa moisaica, como podemos entender as seguintes imagens:

- Adão;
- a árvore;
- o fruto da árvore;
- a serpente.

b) Como entender a ameaça de morte a Adão, caso infringisse a proibição de comer o fruto daquela árvore?

c) Segundo Kardec, qual teria sido a tentação a que foi submetida a mulher?


Conclusão

C O N C L U S Ã O

Sob as alegorias contidas em seu texto, como as cenas e os diálogos atribuídos a animais, podemos encontrar na gênese mosaica muitas verdades relativas à existência do homem e às leis naturais. Ao estudá-la, é preciso buscar o espírito das palavras, sem se prender ao seu sentido literal, que a faria se tornar pueril e absurda.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO

a) Dentro do simbolismo que caracteriza a narrativa mosaica, como podemos entender as seguintes imagens constantes no texto bíblico:
- Adão;
- a árvore;
- o fruto da árvore;
- a serpente.

R - Kardec explica que a figura de Adão, personagem central da narrativa bíblica, simboliza toda a humanidade. Não se trata de uma individualidade encarnada, de uma personalidade. A palavra hebréia haadam não é nome próprio. Na figura destes personagem, Moisés quis se referir a todos os homens, toda a humanidade, simbolizando-a na personalidade fictícia de Adão, para impressioná-la mais fortemente.

A árvore representa a vida espiritual, simboliza a nossa existência como espíritos imortais, no reino hominal, aquele em que o
princípio espiritual recebe o selo da inteligência, adquirindo pensamento contínuo, consciência e livre-arbítrio plenos e passa a ter responsabilidade por seus atos.

O fruto dessa árvore, comumente distinguido como a maçã, embora o texto bíblico se refira a fruto, sem especificação, simboliza o objeto dos desejos materiais do homem, a cobiça pelos bens terrenos passageiros, que motivam o arrastamento ao mal. Ergue-se no meio do jardim de delícias para simbolizar a sedução dos prazeres e lembrar a preponderância dos gozos materiais sobre os valores espirituais. Comer o seu fruto simboliza sucumbir à tentação.

A serpente, que alguns interpretam como representante da astúcia, dos maus conselhos. No entanto, segundo Kardec, o termo hebreu nâhâsch, traduzido por serpente, vem da raiz nâhâsch, que significa fazer encantamentos, adivinhar as coisas ocultas.
A serpente simbolizaria, assim, o desejo da humanidade em conhecer as coisas ocultas, o gosto pela adivinhação, que Moisés proscrevera.

b) Como entender a ameaça de morte a Adão, caso infringisse a proibição de comer o fruto daquela árvore?

R - A morte com que a Divindade teria ameaçado Adão, caso infringisse a proibição que se lhe foi feita, não se trata da morte física, corporal, mas de uma morte espiritual, da perda dos bens que resulta da falta de adiantamento moral, perda figurada
pela sua expulsão do jardim de delícias. Não se trata de uma falta isolada, de um indivíduo, mas das infrações às leis de Deus que o homem pratica na vida terrena. É outro simbolismo, que sinaliza as conseqüências físicas e morais que o homem terá que suportar, caso venha a infringir as recomendações divinas, gravadas em sua consciência. São as conseqüências da lei de causa e efeito.

c) Segundo Kardec, qual teria sido a tentação a que foi submetida a mulher?

R - Considerando que a palavra original constante na gênese mosaica, mais tarde traduzida por serpente, também era utilizada com o sentido de fazer encantamentos, adivinhações a cerca das coisas ocultas, como vimos acima, Kardec conclui ser provável que a tentação a que Moisés se referiu tenha sido o desejo de conhecer as coisas ocultas, de fazer adivinhações, prática muito comum no seio daquele povo e que foi por ele proibida, já que também exercia a função de legislador.