Redes

@ElyMatos

“(…) o Reino dos Céus é semelhante a uma rede lançada ao mar (…)”

Mateus 13:47

Vivendo entre pescadores, é natural que Jesus utilizasse a imagem da rede em seus diálogos e parábolas. Tão comum esse uso, que o peixe tornou-se um dos primeiros símbolos cristãos, sendo usado para identificação e comunicação.

Na parábola em Mateus, Jesus compara a realização do Reino dos Céus a uma pescaria: a rede é lançada, peixes de todos os gêneros são recolhidos e os pescadores, pacientemente, fazem a separação dos bons e dos deteriorados. A tradição viu aqui a imagem de um juízo final e definitivo. Nós vemos a descrição de um processo que ocorre constantemente no plano espiritual.

Como toda boa parábola, esta também tem diversos níveis de interpretação. No nível mais direto e imediato, ela mostra que os Espíritos formam grupos distintos, com base na afinidade espiritual e na condição moral. Enquanto no mar (no plano físico), os peixes (os encarnados) estão todos juntos. Quando ocorre a pescaria (a desencarnação), a separação é inevitável.

Em um nível mais elaborado, podemos imaginar que este processo ocorre ao longo da evolução espiritual do planeta. As migrações espirituais são descritas por Kardec em A Gênese1 . Periodicamente, mas constantemente, os dirigentes espirituais são encarregados de fazer a avaliação da condição dos Espíritos. Conforme o padrão moral médio da comunidade espiritual cresce, aqueles que não avançam são conduzidos a outras moradas planetárias.

Porém, a parábola também pode ser interpretada sob uma visão mais individual e espiritual. A construção do Reino dos Céus ocorre dentro de nós mesmos. Somos nós que lançamos nossa rede no mundo, através do pensamento constante, e recolhemos do mundo o que ele tem a oferecer. Diariamente esta rede fica cheia. Caberia a nós sentarmos na praia de nossas reflexões e analisar o que recolhemos. O que presta, deve ser mantido. O que não, lançado fora.

Em tempos de modernidade, a parábola também vale para as nossas “redes sociais”. Quando acessamos a rede social, somos os pescadores ou os peixes? Somos nós que estamos no controle, buscando e separando o que nos interessa, ou somos fisgados pela rede, para sermos usados ou descartados posteriormente?

Talvez o sentido mais amplo do ensinamento seja este: a separação entre o que é bom e o que é ruim demanda uma análise crítica, paciente e com conhecimento. Como Paulo aconselha: “Examinai tudo. Retende o bem.”2


1 A Gênese. Allan Kardec. Cap. 18.
2 1 Tessalonicenses 5:21

Do que falta

@ElyMatos

“(…) ela, porém, do que lhe falta, colocou tudo quanto tinha”

Marcos 12:44

Diante do gazofilácio, uma das caixas no Templo de Jerusalém usadas para recolher doações, Jesus observa uma viúva pobre colocar duas moedas. Valendo cerca de um quarto de centavo, a oferta da mulher contrastava com as muitas moedas colocadas pelos mais ricos. Chamando os discípulos, ele explica que ela havia colocado “mais que todos”, pois havia oferecido “do que lhe falta”.

A significativa passagem é comentada por Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo , sob a perspectiva da caridade para com o próximo. Numa outra perspectiva, ela pode ser vista como um exercício da caridade para consigo mesmo. De que forma?

Basta refletirmos um pouco: como é possível oferecer do que nos falta? Se não tenho, como posso oferecer? Se saimos da questão material, percebemos que a observação de Jesus pode ser vista como um incentivo ao desenvolvimento de nossos valores morais. Se me falta, preciso adquirir para oferecer.

Muitas vezes falamos: “não tenho mais paciência para isso!” Mas é justamente nestes momentos que podemos tentar oferecer um pouco de paciência com quem está ao nosso lado.

Repetimos: “não tenho mais tempo para nada!”. Mas tempo é questão de prioridade. Nos períodos em que nos vemos “sem tempo” para os outros, somos convidados a reavaliar nossas prioridades. Geralmente, os verdadeiros ociosos são aqueles que estão muito ocupados consigo mesmos.
Às vezes sentimos: “me falta coragem para falar no grupo de estudos!”. Mas levantar a voz e oferecer sua opinião e ponto de vista para as outras pessoas, arriscando a ser criticado, é um ótimo exercício de combate ao orgulho.

Algumas pessoas dizem: “Não tenho o jeito para lidar com crianças (ou com idosos, ou com doentes)”. Mas não faltam vagas nas atividades da evangelização infantil e das visitas aos abrigos e hospitais, como oportunidades para acharmos o tal “jeito”.

Não se trata de termos “muitas” tarefas, mas do que estamos aprendendo com cada uma delas.

A verdade é que muitas vezes nos acomodamos nas conquistas já realizadas. Estamos no trabalho do bem, mas do bem sem desafios, do bem realizado burocraticamente, do bem que já sabemos fazer. Ou seja, como os ricos da passagem evangélica, oferecemos apenas daquilo que já temos. Porém, o convite do Evangelho é que ofereçamos mais, ainda que sejam apenas duas pequenas moedas.