Nos Domínios da Mediunidade

027 – Mediunidade transviada

Descera a noite totalmente, quando penetramos estreita sala, em que um círculo de pessoas se mantinha em oração.

Varias entidades se imiscuíam ali, em meio dos companheiros encarnados, mas em lamentáveis condições, de vez que pareciam inferiores aos homens e mulheres que se fazia componentes da reunião.

Apenas o irmão Cássio, um guardião simpático e amigo, de quem o Assistente nos aproximou, demonstrando superioridade moral.

Notava-se-lhe, de imediato, a solidão espiritual, porquanto desencarnados e encarnados da assembléia não lhe percebiam a presença e, decerto, não lhe acolhiam os pensamentos.

Ante as interpelações de nosso orientador, informou, algo desencantado:

- Por enquanto, nenhum progresso, não obstante os reiterados apelos à renovação. Temos sitiado o nosso Quintino com os melhores recursos ao nosso alcance, mobilizamos livros, impressos e conversações de procedência respeitável, no entanto, tudo em vão... O teimoso amigo ainda não se precatou quanto às duras responsabilidades que assume, sustentando um agrupamento desta natureza...

Áulus buscou reconforta-lo com um gesto silencioso de compreensão e convidou-nos a observar.

Revestia-se o recinto de fluidos desagradáveis e densos.

Dois médiuns davam passividade a companheiros do nosso plano, os quais, segundo minhas primeiras impressões, jaziam convertidos em criados autênticos do grupo, assalariados talvez para serviços menos edificantes. Entidades diversas, nas mesmas condições, enxameavam em torno deles, subservientes ou metediços.

O fenômeno da psicofonia era ali geral.

Os sensitivos desdobrados se mantinham no ambiente, alimentando-se das emanações que lhes eram peculiares.

Raimundo, um dos comunicantes, sob as vistas complacentes do diretor da casa, conversava com uma senhora, cuja palavra leviana inspirava piedade.

- Raimundo _ dizia -; tenho necessidade do dinheiro que há meses vem sendo acumulado no Instituto, do qual sou credora prejudicada. Que me diz você de semelhante demora?

- Espere, minha irmã _ recomendava a entidade -, trabalharemos em seu benefício.

E a palestra continuava.

- A solução é urgente. Você deve ajudar-me com ação mais expedita. Tente uma volta pelo gabinete do diretor ranzinza e desencrave o processo... Você quer o endereço das pessoas que precisamos influenciar?

- Não, não. Conheço-as e sei onde moram...

- Vejo, Raimundo, que você anda distraído. Não se interessou por meu caso, com a presteza justa.

- Não é bem assim... Tenho feito o que posso.

E enquanto a matrona baixava o tom de voz, cochichando, um cavalheiro maduro dirigia-se a Teotônio, o outro comunicante da noite, clamando, indiscreto:

-Teotônio, até quando me cabe aguardar?

A entidade, que parecia embatucar-se com a pergunta, silenciou, humilde, mas o interlocutor alongou-se, exigente:

- Vai para quatro meses que espero pela decisão favorável referente ao emprego que me foi prometido. Entretanto, até hoje!... Você não conseguiria liquidar o problema?

- Que deseja que eu faça?

- Sei que o gerente da firma é do contra. Ajude-me, inclinando-o a simpatizar-se pela boa solução de meu caso.

Nisso , outra senhora ocupou a atenção de Raimundo, solicitando:

- Meu amigo, conto com o seu valioso concurso. Sou mãe. Não me conformo em ver minha filha aceitar a proposta de um homem desbriado, para casar-se. Nossa posição em casa é das mais alarmantes. Meu marido não suporta o homem que nos persegue, e a menina revoltada tem sido para nós um tormento. Você não poderá afastar esse abutre?

Raimundo respondeu, subserviente, enquanto Quintino tomava a palavra, logo em seguida, pedindo uma prece, em conjunto, a fim de que os desencarnados se fortalecessem para corresponder à confiança do grupo, prestando-lhe os serviços solicitados.

Entendimentos e conversas continuaram entre comunicantes e clientes da casa, todavia, não mais lhes dei atenção, considerando-lhes o obscuro aspecto.

Em aflitivas circunstâncias, vira obsidiados e entidades endurecidas no mal, através de tremendos conflitos; contudo, em nenhum lugar sentia tanta compaixão como ali, vendo pessoas sadias e lúcidas a interpretarem o intercâmbio com o mundo espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor esforço.

Aqueles homens e mulheres que se congregavam no recinto, com intenções tão estranhas, teriam coragem de pedir a companheiros encarnados os serviços que reclamavam dos Espíritos? Não estariam ultrajando a oração e a mediunidade para fugir aos problemas que lhes diziam respeito? Não dispunham, acaso, de veneráveis conhecimentos para mobilizar o cérebro, a língua, os olhos, os ouvidos, as mãos e os pés, no aprendizado enobrecedor? Que faziam da fé? Seria justo que um trabalhador relegasse a outros a enxada que lhe cabia suportar e mover na gleba do mundo?

Áulus registrou-me as reflexões amargas, porque, generoso, deu-se pressa em reconfortar-me:

- Um estudo atual de mediunidade, mesmo rápido quanto o nosso, seria completo se não perquiríssemos a região do psiquismo transviado, onde Espíritos preguiçosos, encarnados de desencarnados, respiram em regime de vampirização recíproca. Aliás, constituem produto natural da ignorância viciosa em todos os templos da Humanidade. Abusam da oração tanto quanto menoscabam as possibilidades e oportunidades de trabalho digno, porquanto espreitam facilidades e vantagens efêmeras para se acomodarem com a indolência, em que se lhes cristalizam os caprichos infantis.

- Mas prosseguirão assim, indefinidamente? _ perguntei.

- André, sua dúvida está fora de propósito. Você possui bastante experiência para saber que a dor é o grande ministro da Justiça Divina. Vivemos a nossa grande batalha de evolução. Quem foge ao trabalho sacrificial da frente, encontra a dor pela retaguarda. O Espírito pode confiar-se à inação, mobilizando delituosamente a vontade, contudo, lá vem um dia a tormenta, compelindo-o a agitar-se e a mover-se para entender os impositivos do progresso com mais segurança. Não adianta fugir da eternidade, porque o tempo, benfeitor do trabalho, é também o verdugo da inércia.

Hilário, que refletia, silencioso, junto de nós, inquiriu preocupado:

- Porque se entregaram nossos irmãos a semelhantes práticas de menor esforço? Há tantas lições de aprimoramento espiritual, há tantos apelos à dignificação da mediunidade, nas linhas doutrinárias do Espiritismo!... Por que o desequilíbrio?

Áulus pensou alguns instantes e redargüiu:

- Hilário, é imprescindível recordar que não nos achamos diante da Doutrina do Espiritismo. Presenciamos fenômenos mediúnicos, manobrados por mentes ociosas, afeiçoadas à exploração inferior por onde passam, dignas, por isso mesmo, de nossa piedade. E não ignoramos que fenômenos mediúnicos são peculiares a todos os santuários e a todas as criaturas. Quanto à preferência de nossos amigos pela convivência com os desencarnados ainda imensamente presos ao campo sensorial da vida física, incapazes ainda de mais ampla visão das realidades do Espírito,isso é compreensível na Terra. É sempre mais fácil ao homem comum trabalhar com subalternos ou iguais, porque, servir ao lado de superiores exige boa-vontade, disciplina, correção de proceder e firme desejo de melhorar-se. Sabemos que a morte não é milagre.cada qual desperta, depois do túmulo, na posição espiritual que procurou para si... Ora, o homem vulgar sente-se mais à solta junto das entidades que lhe lisonjeiam as paixões, estimulando-lhe os apetites, de vez que todos somos constrangidos a educar-nos, na vizinhança de companheiros evolutos, que já aprenderam a sublimar os próprios impulsos, consagrando-se à lavoura incessante do bem.

- Mas não será isso um abuso do homem encarnado? Não será crime parasitar os desencarnados de condição inferior? _ indagou Hilário.

- Isso não padece dúvidas _ confirmou o instrutor.

- E esse delito ficará impune?

Áulus fixou leve expressão de bom humor e respondeu:

- Não se preocupem demasiado. Quando o erro procede da ignorância bem-intencionada, a Lei prevê recursos indispensáveis ao esclarecimento justo no espaço e no tempo, porquanto a genuína caridade, sob qualquer título, é sempre venerável. Entretanto, se o abuso é deliberado, não faltará corrigenda.

Vagueou o olhar sobre o diretor da assembléia e sobre os medianeiros que incorporavam os comunicantes e acrescentou:

- Teotônio e Raimundo, tanto quanto alguns outros desencarnados da posição deles, e que aqui se aglomeram, realmente são mais vampirizados que vampirizadores. Fascinados pelas requisições de Quintino e dos médiuns que lhes prestigiam a obra infeliz, seguem-lhes os passos, como aprendizes no encalço dos mentores aos quais se devotam. Na hipótese de não se reajustarem no bem, tão logo se desencarnem o dirigente deste grupo e os instrumentos medianímicos que lhe copiam as atitudes, serão eles surpreendidos pelas entidades que escravizaram,a lhes reclamarem, orientação e socorro, e, mui provavelmente, mais tarde, no grande porvir, quando responsáveis e vítimas estiverem reunidos no instituto da consangüinidade terrestre, na condição de pais e filhos, acertando contas e recompondo atitudes, alcançarão pleno equilíbrio nos débitos em que se emaranharam.

Ante a nossa admiração silenciosa, o Assistente concluiu:

- Cada serviço nobre recebe o salário que lhe diz respeito e cada aventura menos digna tem o preço que lhe corresponde.

Logo após, Áulus concitou-nos a partir.

O ambiente não encorajava maior estudo e já havíamos assimilado a lição que ali poderíamos receber.



Questões propostas para estudo:



1. O que é mediunidade transviada?



2. Porque a presença do guardião Cassio não era detectada pelos encarnados e nem pelos desencarnados?



3. Baseando-se nas solicitações feitas pela credora, pelo desempregado e pela mãe, o que podemos concluir dos serviços que estavam sendo realizados através da mediunidade de psicofonia? Eram esses serviços de moral?



4. Como se explica "pessoas sadias e lúcidas", médiuns, reunidas ali em nome de Deus, mas "a interpretarem o intercâmbio com o mundo espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor esforço"?



5. O que é uma vampirização recíproca?



6. Por que estes espíritos se deixaram abater pela influência destes irmãos inferiores? Você concorda com o que Áulus acha sobre a escolha deles? O que é preciso para se prever destas companhias, como devemos agir para que apenas atraiamos espíritos superiores para trabalhar conosco?



7. De acordo com Áulus Teotônio e Raimundo agem por pura ignorância bem-intencionada, o que acontecerá com eles ao desencarnarem?



8. Como encaixar a lei da ação e reação nesta ocasião?


Conclusão

1. - O que é mediunidade transviada?


R - Martins Peralva, em sua conhecida obra "Estudando a Mediunidade", define mediunidade transviada como "aquela que

se exerce em função de interesses inferiores, à revelia, portanto, das salutares normas que o Espiritismo estabelece para

o intercâmbio com os Espíritos".



Acrescenta, ainda, que a mediunidade transviada "se reveste, pois, das seguintes características:



a) - Consultas e exploração de Espíritos ainda ignorantes sobre assuntos materiais (casamentos, negócios,

empregos, etc.);



b) - Consultas e exploração de Espíritos ainda ignorantes sobre assuntos espirituais inferiores (ação maléfica sobre a saúde e a vida do próximo).





2. - Por que a presença do guardião Cassio não era detectada pelos encarnados e nem pelos desencarnados?



R - Cassio encontrava-se naquele ambiente como um benfeitor espiritual, desejoso de orientar o grupo mediúnico a praticar

a mediunidade em seu sentido mais nobre, a serviço de Jesus. O grupo, entretanto, tinha o pensamento voltado para interesses

puramente materiais, tanto os médiuns que davam passividade como aqueles que buscavam os seus serviços e os espíritos

que ali se manifestavam. A diferença de sintonia vibratória entre estes e o benfeitor os impedia de perceber a sua presença e de acolher pelo pensamento as suas orientações.





3. - Baseando-se nas solicitações feitas pela credora, pelo desempregado e pela mãe, o que podemos concluir dos

serviços que estavam sendo realizados através da mediunidade de psicofonia? Eram esses serviços de moral?



R - Praticava-se a mediunidade completamente desvirtuada de seus nobres objetivos, que são os de ordem superior, espirituais.

Grupos mediúnicos que exploram os espíritos comunicantes com fins de resolverem os problemas inerentes da vida terrena

estão se desviando dos mais nobres objetivos da prática mediúnica. A mediunidade é um dom de Deus para nos ajudar a

alcançar os mais elevados valores espirituais, através da orientação dos espíritos superiores e não para ser utilizada com

fins obter facilidades materiais. O Espiritismo traça as diretrizes que devem nortear o seu exercício, sempre obedecendo à

moral cristã. Qualquer prática que se desvie dessas normas não pode ser considerada espírita nem instrumento de nossa

evolução moral.





4. - Como se explica "pessoas sadias e lúcidas", médiuns, reunidas ali em nome de Deus, mas "a interpretarem o

intercâmbio com o mundo espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor esforço"?



R - Tanto os encarnados como os desencarnados ali presentes denotavam um nível de evolução ainda atrasado. Buscavam

o benefício com o menor esforço, ignorando a Lei do Trabalho como uma das Leis Naturais que devem ser seguidas no nosso

caminho evolutivo.





5. - O que é uma vampirização recíproca?



R - O fenômeno denominado vampirismo é uma das modalidades pelas quais pode se manifestar um processo obsessivo. Num processo de vampirização, o obsessor explora os maus hábitos do obsidiado, com quem se afiniza pelos sentimentos e pensamentos inferiores. No caso em estudo, como explicou Áulus, encarnados e desencarnados se beneficiam mutuamente de suas más inclinações. Os desencarnados, fascinando-se com a valorização de suas obras por parte dos encarnados que lhes buscam os serviços; os encarnados, julgando conseguir benefícios facilidades materiais através dos desencarnados.



6. - Por que estes espíritos se deixaram abater pela influência destes irmãos inferiores? Você concorda com o que Áulus acha sobre a escolha deles? O que é preciso para se prever destas companhias, como devemos agir para que apenas atraiamos espíritos superiores para trabalhar conosco?

R - Esses espíritos se deixam envolver porque comungam dos mesmos sentimentos inferiores, numa mesma sintonia vibratória. Para nos precaver de semelhantes companhias, devemos praticar os ensinamentos trazidos por Jesus, através da lei de justiça, de amor e de caridade. E quanto à mediunidade, somente deve ser praticada de conformidade com os preceitos espíritas, a serviço de Jesus e sem interesses outros que não os espirituais.



7. - De acordo com Áulus, Teotônio e Raimundo agem por pura ignorância bem-intencionada, o que acontecerá com eles ao desencarnarem?

R - Teotônio e Raimundo já se encontram desencarnados. Segundo Áulus, quando o dirigente do grupo e os médiuns que com ele exploram as entidades comunicantes desencarnarem, provavelmente, encontrar-se-ão para o devido reajuste no bem, através da reencarnação, com a constituição de um grupo familiar.



8. - Como encaixar a lei da ação e reação nesta ocasião?

R - A lei de ação e reação ou de causa e efeito é uma lei divina, cósmica, que é acionada automaticamente pelos atos e pensamentos que praticamos. No caso presente, sem dúvida nenhuma, ela também incidirá sobre todos os envolvidos na prática mediúnica desvirtuada de seus nobres objetivos. Como mencionou Áulus, "cada serviço nobre recebe o salário que lhe diz respeito e cada aventura menos digna tem o preço que lhe corresponde".