Entre a Terra e o Céu

014 – Entendimento

" Antonina, modificada, esfregava os olhos como quem não desejava acreditar no que via, mas resignando-se à
evidência, continuou:
- Compadece-te de mim! compadece-te!...
- Lola, donde vens? - perguntou o infeliz.
- Não me induzas a lembrar!...
- Não lembrar? Que condenado no tormento da expiação será capaz de esquecer? A culpa é um fogo a consumir-nos
por dentro...
- Não me reconduzas ao passado!...
- Para mim é como se o tempo fosse o mesmo. O inferno não tem horas diferentes... A dor paralisa a vida dentro de nós...
- É preciso olvidar...
- Nunca! O remorso é um monstro invisível que alimenta as labaredas da culpa... A consciência não dorme...
- Não me rebentes o coração!
- E acaso o meu não vive estraçalhado?

" Antonina passou a destra pela fronte pálida, como se evocasse velhas recordações fortemente trancadas na memória.
Seu olhar adquirira a assustadiça expressão dos enfermos que a febre torna dementados.
Findos alguns instantes, exibiu no rosto a surpresa de quem se banha num relâmpago de luz.
Parecendo haver encontrado a imagem que ansiosamente procurara, continuou:
- ... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de paz... Rememoravas alguns traços
elogiáveis de nossa vida, recompondo na lembrará as festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados...
As tuas divagações, arrancando do pretérito as raras reminiscências felizes que poderíamos identificar, caíram sobre
mim como bálsamo refrigerante... Chorei aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a
ventura de constituir...

" Por que não se recordavam os dois do parentesco que os reunia?
Nosso instrutor, assinalando-nos a indagação, socorreu-nos, esclarecendo:
- Encontram-se ambos imobilizados em certo momento do pretérito, num encontro provocado por influência magnética.
Em tais recursos utilizados por nosso plano, no tratamento salutar das moléstias da alma, determinados centros da
memória se revivam, ao passo que outros empalidecem. As sensações do presente dão lugar às sensações do
passado, para efeito de reajustamento perante o futuro. O fenômeno, porém, é momentâneo. A breve minutos,
regressarão à consciência normal, melhorados para a boa luta.

" Alguns instantes decorreram, quando fomos surpreendidos pela entrada de nova personagem na sala.
Era um homem de seus trinta e cinco anos presumíveis, que se abeirava de nós, igualmente fora do vaso físico.
Passeou no recinto esgazeado olhar, dando-nos a impressão de que não nos percebia a presença, ofegante e
contrariado, qual se estivesse ingressando ali, constrangidamente, deteve-se apenas na contemplação de Leonardo e
Antonina, reconhecendo-os, estarrecido e agoniado.
Clarêncio , junto de nós, informou, prestimosos:
- Sob a positiva invocação de Leonardo, Esteves, parcialmente libertado pelo sono, comparece ao desafio. O repouso
noturno favorece tais entendimentos, pela tração magnética mais intensivamente facilitada, quando o envoltório de
matéria densa exige recuperação.

" Semi-apavorado e pondo-se em guarda, sacudido pelas próprias reminiscências, o recém-chegado respondeu,
agressivo:
- Conheço-te e odeio-te!... Assassino, assassino!...
Engalfinhar-se-iam, sem dúvida, como animais enfurecidos, mas o nosso orientador interferiu, de imediato, imobilizando-
-os prontamente.
Tocado pelo Ministro, Esteves enxergou-nos e, surpreendido, aquietou-se.
Clarêncio confiou à nossa vigilância e, dirigindo-se a Leonardo, em voz segura, concitou:
- Meu amigo, extirpa da mente a idéia do crime. Achas-te cansado, enfermo. Receberás a medicação de que necessitas.
Num átimo, ausentou-se e regressou trazendo ao recinto dois amigos de nosso plano, os quais transportaram Leonardo,
semi-inconsciente, para um santuário de reajuste, em que mais tarde nos receberia a assistência.
Em seguida, nosso instrutor acomodou Esteves na poltrona singela, recomendando-lhe esperar-nos.
O novo companheiro, amedrontado, obedeceu automaticamente.
Logo após, amparando Antonina, procuramos restituí-la ao quarto particular.

" Revelava-se imensamente confrangida.
Por mais de duas horas mereceu-nos especial atenção. Somente depois de considerável esforço de Clarêncio, conseguiu
refazer-se. Vimo-la acordar, exausta e entontecida.
Algo aliviada, Antonina acreditou-se libertada de estranho pesadelo. Ainda assim, sem saber explicar a razão, torturada e apreensiva, continuava soluçando..."


QUESTÕES PARA ESTUDO

1. Como interpretarmos as seguintes passagens do capítulo?

a) " ... O remorso é um monstro invisível que alimenta as labaredas da culpa... A consciência não dorme..."

b) "... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de paz... Rememoravas alguns traços
elogiáveis de nossa vida, recompondo na lembrará as festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados...
As tuas divagações, arrancando do pretérito as raras reminiscências felizes que poderíamos identificar, caíram sobre
mim como bálsamo refrigerante... Chorei aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a ventura
de constituir..."

2. Sabemos que o esquecimento do passado é um mecanismo necessário à evolução do espírito que retorna à vida
física. Vemos, no encontro de Antonina com o avô, um caso de esquecimento do presente. Como explicá-lo?

3. Qual a explicação para o fato de Esteves ter sido atraído ao local, embora contra a sua vontade?

4. Que diferenças podemos estabelecer entre os estados espirituais das três personagens envolvidas neste capítulo?


Conclusão


C O N C L U S Ã O


Retornando ao lar de Antonina, os benfeitores espirituais, dirigidos pelo Ministro Clarêncio, deram início ao
tratamento de Leonardo, objetivando obter o seu reequilíbrio espiritual. Para tanto, foram reunidos no mesmo ambiente
Leonardo, Antonina e Esteves, protagonistas do drama no passado que gerou os atuais acontecimentos. Com suas
memórias presentes congeladas, Clarêncio acionou os mecanismos da memória passada, rebuscando os fatos de
outrora como forma de iniciar a harmonização daqueles espíritos.


QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO


1. Como interpretarmos as seguintes passagens do capítulo?

a) " ... O remorso é um monstro invisível que alimenta as labaredas da culpa... A consciência não dorme..."

A consciência é um juiz de plantão, sempre pronto para julgar nossos atos e pensamentos. Está sempre desperto.
Não dorme. Desse julgamento não há como fugirmos. A condenação por parte desse iniludível julgador gera o remorso
impiedoso, uma labareda que não se apaga e que faz com que não esqueçamos a nossa culpa. Só há uma maneira
de nos livrarmos dessa labareda a que se refere Leonardo: é a prática do perdão e da reparação ao mal causado. É
preciso que busquemos o perdão do ofendido, para rompermos o elo de culpa que nos prende a ele, ponto de partida
para a reparação libertadora.


b) "... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de paz... Rememoravas alguns traços
elogiáveis de nossa vida, recompondo na lembrança festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados...
As tuas divagações, arrancando do pretérito as raras reminiscências felizes que poderíamos identificar, caíram sobre
mim como bálsamo refrigerante... Chorei aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a
ventura de constituir..."

Antonina narra o momento em que deu início ao processo de sua atual reencarnação. Leonardo, que viria ser seu avô,
pela força do pensamento, atraiu-a para o seio da nova família que constituíra. Certamente, tratava-se de reencarnação programada, objetivando a harmonização e resgate de espíritos mutuamente endividados. Atraída para os novos pais,
Antonina sentiu-se aliviada, pois daria início à reparação do erro de outrora. O adormecimento a que se refere é
conseqüência do encolhimento de seu perispírito para poder se adaptar ao embrião que se forma a fim de plasmar o
novo corpo de carne. É o começo do estado de perturbação de que é tomado o espírito a partir do momento em que é, fluidicamente, ligado à futura mãe.


2. Sabemos que o esquecimento do passado é um mecanismo necessário à evolução do espírito que retorna à vida
física. Vemos, no encontro de Antonina com o avô, um caso de esquecimento do presente. Como explicá-lo?

Como Clarêncio realizava o que denominou "cirurgia psíquica", objetivando proceder à análise mental do ancião
perturbado e de Antonina, fazia-se necessário que ambos se concentrassem unicamente em suas vidas pregressas.
Através de recursos magnéticos de que dispunha, o benfeitor enfraqueceu os pontos de memória referentes à vida
presente e reavivou os que se referem ao passado, imobilizando ambos no momento do passado que originou todo o
drama que vivenciavam.


3. Qual a explicação para o fato de Esteves ter sido atraído ao local, embora contra a sua vontade?

Esteves foi magneticamente atraído ao local pela evocação de Leonardo. Como se sintonizava na mesma faixa de
ódio e desejo de vingança em que este vibrava, não teve como resistir à forte atração, indo à casa de Antonina, mesmo
contra a sua vontade. É uma lição a nos demonstrar a importância de nos mantermos sempre com sentimentos
elevados, para que possamos nos sintonizar com espíritos que vibrem numa faixa elevada. Quando descemos ao nível
de entidades de baixa sintonia, que vivenciam o ódio e ignoram o amor, ficamos sujeitos às suas influências e às suas
forças magnéticas.


4. Que diferenças podemos estabelecer entre os estados espirituais das três personagens envolvidas neste capítulo?

Das três personagens envolvidas nesta trama real, a única que já havia conseguido corrigir o rumo de sua trajetória era
Antonina. Reencarnara como neta de Leonardo, de quem traíra o amor e a confiança, a fim de com ele se harmonizar
pelos laços consangüíneos. Submetia-se, com resignação, ao resgate do débito contraído no passado, abandonada
que fora pelo marido, tal qual fizera outrora com Leonardo. Não alimentava ressentimentos, dedicando-se, com zelo e
carinho aos filhos, cumprindo, assim, a missão da maternidade com a qual se comprometera. Demonstrava fé ao
suportar a dor da desencarnação de um dos filhos, ..

Já Leonardo e Esteves mantinham-se presos aos fatos passados, vinculados, um ao outro, pelos sentimentos de ódio
e ressentimento e pelo desejo mútuo de vingança. Esteves conseguira reencarnar, sofrendo de sua ex-noiva na atual
encarnação o mesmo abandono que levara Antonina a praticar com Leonardo. Mas ainda não perdoava Leonardo por
haver lhe matado. Este, por sua vez, não se satisfizera com o ato vingativo praticado e ainda nutria doentio ódio ao
desafeto, que o levava ao estado de perturbação e desequilíbrio em que se mantinha.